O estranho Ocidente
6 de janeiro de 2011Expostas no Museu Estadual de Baden, em Karlsruhe, estão várias figuras conhecidas na Alemanha e associadas ao Oriente: cigarros da marca "Sultan" (sultão), chocolates que remetem às Mil e Uma Noites e figuras que lembram o universo de países orientais. O cartaz de uma cervejaria bávara estampa beduínos em cima de um camelo, transportando garrafas de cerveja.
Brincando com estereótipos
O universo de tais clichês povoa há muito a imagem que os ocidentais têm do Oriente. No mesmo espaço, contudo, encontra-se um relógio cuco – um produto tipicamente alemão, pensa o visitante admirado, antes de perceber que há, no lugar do pássaro que anuncia as horas, uma pequena caixa de som, da qual ecoa, a cada meia-hora (da mesma forma que o cuco do relógio original), o chamado do muezim para a oração.
Essa obra de arte-relógio, de autoria da artista Via Lewandowsky, embora seja uma persiflage, remete a um fenômeno cultural, observa Schoole Mostafawy, a curadora da mostra. "Os relógios europeus chegaram ao Oriente já no século 17. Os relógios cuco são hoje populares nos países orientais, podem ser comprados nos bazares de Teerã, Istambul ou Damasco ou encontrados nas salas de visitas nesses países", diz Mostafawy. O que um belo tapete usado pelos nômades do deserto ou uma peça artesanal de cerâmica significa no Ocidente, um relógio cuco da Floresta Negra é no Oriente: um sinal de cosmopolitismo.
Adoção da outra cultura
A exposição em Karlsruhe brinca com estereótipos e mostra como existiu, durante séculos e mais séculos, um intercâmbio cultural rico, diversificado e hoje praticamente esquecido entre Oriente e Ocidente: tratava-se de um dar e receber, de uma troca, numa relação ainda não marcada pela ganância ocidental por matérias-primas ou pelo estabelecimento de rotas comerciais e pela falta de apreço pela população muçulmana. "Queremos mostrar aqui que o Oriente não é apenas um receptor passivo da cultura ocidental, mas também assimila essa cultura estranha a ele", observa o curador Jako Möller.
Proibição de imagens e arte visual
No século 19, quando a fotografia se tornou popular no Ocidente, pesquisadores e viajantes viajavam rumo ao Oriente e documentavam suas impressões em imagens. Quando o "Orientalismo" virou moda, o mundo islâmico assumiu ele próprio a nova mídia, passando por cima, de forma soberana, da proibição da reprodução em imagens ditada pelos líderes religiosos.
Mais ainda: os líderes religiosos acabaram encontrando até mesmo uma explicação para o motivo da súbita permissão da reprodução em imagens, explica Möller. "Eles argumentavam que a fotografia não era uma arte visual, mas meramente um procedimento científico, através do qual a luz é refletida sobre um papel fotográfico – o que, de fato, corresponde a uma descrição exata da fotografia."
O ato de fotografar se transformou num símbolo da modernidade e nas imagens cotidianas foi sendo refletida uma nova autoconsciência. Líderes orientais passaram a encomendar fotografias com prazer, nas quais a própria cultura misturava-se com a alheia. Assim vemos mulheres de haréns, deitadas num divã, vestidas com um casaco e uma saia curta, como era comum na virada do século 20 nos países ocidentais.
Imagem do profeta?
Um suposto retrato do profeta é também um achado surpreendente. Ele mostra, de fato, Maomé? O retrato é até hoje objeto de veneração no Irã.
No entanto, a imagem era originalmente uma fotografia. Ela mostra um jovem tunesiano, fotografado pelos alemães Rudolf Franz Lehnert e Ernst Heinrich Landrock no início do século 20. Mostafawy, a coordenadora do projeto da exposição em Karlsruhe, explica: "Esse era antigamente o contraponto às fotos das mulheres bérberes, com pouca roupa. Para os fotógrafos e seus clientes era sinônimo dos países orientais, ao lado de outros tópicos".
Transferência de bens culturais
Objetos de arte e cotidianos mostram que a cultura islâmica também adaptou fenômenos do Ocidente. A recepção da arte europeia se deu a partir do século 18. Retratos de líderes, imagens de santos e papéis de parede combinam motivos religiosos do Islã com detalhes ocidentais, também cristãos, integrando, por exemplo, uma cadeira moderna ou um homem de terno com representações tradicionais do paraíso.
Imagens de deuses da Índia e do Irã lembram muito a carga simbólica da imagem de Maria conhecida no Ocidente. "Artistas dos países islâmicos deixaram-se influenciar pelos motivos do Ocidente, cujo estilo e temas são usados como de um catálogo."
Cotidiano, nostalgia e traumas
Aqueles que viajavam e tomavam contato com a cultura do outro carregavam consigo sonhos distintos. Enquanto os europeus admiravam profundamente o clima e as palmeiras da região mediterrânea, os artistas muçulmanos pintavam seus sonhos em forma de montanhas, florestas frias e pequenos riachos.
Uma capítulo surpreendente da exposição é dedicado à cultura cotidiana. Quem, de longe, vê os tapetes afegãos, já pode admirar belos ornamentos orientais. De perto, contudo, tudo muda de figura, pois ali se vê kalashnikovs, tanques de guerra, armas de fogo. "Esses tapetes foram feitos na época da guerra civil. Provavelmente sob encomenda para oficiais russos, mas mostram o cotidiano dos costureiros de tapetes e seus traumas", explica Jakob Möller.
O contraponto fica em frente: um tapete da Pomerânia, na costa alemã do Mar Báltico, com peixes e anzóis, tudo em estilo e ornamentos orientais. Naquela região, até os anos 1960, os tapetes eram uma ocupação alternativa para pescadores desempregados, uma arte popular. Os tapetes pomeranos são comumente conhecidos até hoje como "os persas do Báltico", embora a produção já tenha cessado.
Autora: Cornelia Rabitz (sv)
Revisão: Alexandre Schossler