"Exército" da Universal preocupa religiões afro-brasileiras
31 de março de 2015Num vídeo de grande repercussão na internet, jovens vestidos com uma farda semelhante às usadas por militares marcham, batem continência, gritam palavras de ordem e se dizem prontos para a batalha. Só que as imagens não são de um treinamento do Exército, mas do grupo Gladiadores do Altar, criado pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) com a declarada intenção de atrair novos pastores.
As religiões afro-brasileiras, um dos principais alvos da intolerância religiosa no Brasil, mostraram-se preocupadas com o que viram e pediram a abertura de investigações ao Ministério Público Federal. Mas, segundo especialistas, a criação do Gladiadores do Altar visa sobretudo chamar a atenção para a Universal, que perde fiéis em meio a uma acirrada disputa no "mercado" das religiões.
"A criação do grupo é uma forma de atrair jovens, principalmente da periferia, para engajá-los e inseri-los na igreja, oferecendo-lhes uma mobilização militarizada", afirma o professor de ciências da religião Leonildo Silveira Campos, da Universidade Mackenzie. "Acho que é mais um golpe de marketing da IURD para se manter dentro da mídia, criando fatos inusitados."
Ele cita, como exemplos, o caso do pastor que deu um chute numa estátua de Nossa Senhora de Aparecida em 1995; a inauguração do megatemplo de Salomão, em São Paulo; e, agora, a criação do Gladiadores do Altar.
O professor de sociologia da religião Edin Abumanssur, da PUC-SP, também vê na fundação do Gladiadores uma tentativa da Universal de melhor sua posição no mercado de religiões no Brasil, no qual a disputa é cada vez mais acirrada. "As religiões pentecostais têm crescido num ritmo menos acentuado do que na década passada. Isso pode ser uma resposta à perda de fiéis."
Na década passada, o segmento religioso dos evangélicos foi o que mais cresceu, passando de 15,4% da população para 22,2%, segundo o IBGE. Isso equivale a um aumento de 16 milhões no número de adeptos, que chegou a 42,3 milhões em todo o país. Só que, mesmo com esse enorme aumento, a Universal encolheu, perdendo 229 mil fiéis entre 2000 e 2010. A igreja fundada pelo bispo Edir Macedo é a terceira entre as evangélicas pentecostais, atrás da Assembleia de Deus, com 12,3 milhões de fiéis, e da Congregação Cristã do Brasil, com 2,2 milhões. A Universal tem 1,87 milhão.
Para conter a saída de fiéis, a Universal tem feitos grandes investimentos na compra de horários em redes de televisão, numa tentativa de tirar espaço do pastor Valdemiro Santiago, o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus. Fundada em 1990 por Santiago, depois de ele deixar a Universal, a Igreja Mundial do Poder de Deus apareceu pela primeira vez na lista de igrejas de IBGE em 2010, com 315 mil seguidores. Boa parte deles é oriunda da Universal.
Temor de intolerância religiosa
As religiões afro-brasileiras temem, porém, que o Gladiadores do Altar possa resultar num aumento dos casos de intolerância religiosa no país. Esse temor se fundamenta na aparência de milícia paramilitar que o vídeo difundido na internet transmite. Em 23 de março, representantes do candomblé e da umbanda entregaram ao Ministério Público Federal, em 26 estados, um pedido de abertura de inquérito civil para investigar possíveis casos de intolerância religiosa. A ação, segundo as lideranças do movimento, em entrevista ao jornal O Globo, é uma reação ao Gladiadores do Altar.
"Fizemos esse ato como uma reação. A criação do grupo Gladiadores do Altar, que parece até uma milícia, ganha uma relevância maior dentro de um contexto de perseguição. O discurso de fundo da Universal é intolerante", afirmou Márcio Alexandre, coordenador de política institucional do Coletivo de Entidades Negras. Para ele, no cerne da teoria pentecostal está a ideia de uma guerra invisível, na qual cabe às igrejas pentecostais salvar as pessoas do que consideram um mal. "Se a linguagem deles é de guerra, a prática também pode ser", afirmou ao jornal carioca.
O pano de fundo dessa apreensão são atos de intolerância religiosa, principalmente contra as religiões afro-brasileiras, como a Umbanda e o Candomblé. Entre os casos registrados pelo Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos, está a invasão de terreiros em Olinda, onde evangélicos exibindo faixas e gritando palavras de ordem também realizaram um protesto em frente a um terreiro; ou ainda o uso, por uma igreja, de imagens de mães-de-santo, "chamando de feitiçaria e difundindo o ódio pelas redes sociais", segundo denunciantes.
Para o professor de sociologia Gedeon Freire de Alencar, da Faculdade Batista, o Gladiadores do Altar tem um nome ruim e foi lançado num momento inadequado, marcado por conflitos religiosos protagonizados pelo "Estado Islâmico" e pelo Boko Haram. "Há muitas músicas de guerra dentro das igrejas. Há uma questão ideológica e simbólica que as igrejas estão em luta contra o mal, satanás e o pecado. Essa discussão sempre existiu", comenta. "E qualquer coisa que a Universal fizer será mal vista por outros grupos, mesmo que outras igrejas já tenham feito o mesmo."
O Ministério Público Federal na Bahia (MPF-BA) anunciou que vai instaurar inquérito civil com base na representação contra a intolerância religiosa protocolada por representantes de religiões de matriz africana. De acordo com o MPF-BA, nada impede o MPF-SP de também iniciar investigações, já que a sede da Universal fica em São Paulo.
Universal: programa religioso e pacífico
Por meio de nota, a IURD afirmou que reitera o seu apreço pelos seguidores de todas as religiões e que o projeto Gladiadores do Altar se resume a um programa de ensino religioso totalmente pacífico. Segundo o documento, a "falsa polêmica" é fruto de um lamentável mal-entendido surgido na internet e alimentado pelo "desconhecimento de muitos" e pelo "preconceito de alguns".
"O projeto visa nada mais que a formação de jovens vocacionados para o trabalho pastoral. Não há disciplina militar, não existe atividade física envolvida e jamais houve – nem nunca haverá – incitação à violência ou ódio a qualquer religião", afirma a nota. A Igreja destaca ainda que o Ministério Público do Ceará avaliou que "não vislumbra um movimento armado ou com conotação de milícia no vídeo apresentado" e pediu respeito ao direito constitucional de liberdade de culto e de expressão da Universal.
"A Universal está à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o programa e reafirma o respeito aos fiéis de todas as religiões, em cada um dos mais de cem países onde está presente", diz a nota. "Aguardamos igual consideração por nossas crenças e convicções."