Falta de transparência mina credibilidade da junta militar egípcia
20 de agosto de 2013Há cerca de uma semana, uma onda de violência tomou conta do Egito. Entre 1.000 e 1.500 pessoas já foram mortas durante a remoção de dois acampamentos de apoiadores do ex-presidente Mohammed Morsi e nos distúrbios seguintes, estima Bassem El-Smargy, do Instituto para Estudos de Direitos Humanos do Cairo. A grande maioria das vítimas era partidária da Irmandade Muçulmana e foi morta por policiais e militares.
A repressão contra a Irmandade continuou nesta terça-feira (20/08), com a prisão do líder espiritual da organização, Mohammed Badie. Ele estava escondido em uma apartamento próximo à praça Rabaa al-Adawiya, onde, na última quarta-feira, mais de 280 islamistas foram mortos durante a ação das forças de segurança contra manifestantes pró-Morsi.
Se o número de vítimas estimado por Smargy estiver correto, na última semana foram mortas mais pessoas do que durante os dois meses da revolta que, em 2011, culminou na derrubada do ditador Hosni Mubarak.
"Os militares ou os que estão governando o país no momento causaram um massacre com a remoção dos acampamentos dos manifestantes. O assassinato de 600 pessoas, em poucas horas, só pode ser descrito como massacre", afirma o especialista.
Mas não é somente essa brutalidade que gera dúvidas quando o ministro da Defesa e chefe das Forças Armadas egípcias, Abdel Fattah al-Sisi, fala sobre os planos para os próximos meses: uma nova Constituição e eleições para a presidência e Parlamento. Também devido à falta de transparência, o novo regime se assemelha ao do ex-ditador Hosni Mubarak e, em parte, ao do próprio Morsi.
Versões contraditórias
No último domingo, a agência de notícias estatal anunciou que 38 presos, todos integrantes da Irmandade Muçulmana, foram mortos ao serem transportados. Mas as informações do Ministério do Interior sobre o incidente são contraditórias. Primeiramente foi dito que o veículo que transportava os presos foi atacado numa tentativa de libertá-los. Segundo outra versão, os prisioneiros teriam feito um guarda refém.
As duas versões, porém, afirmam que os ocupantes do veículo foram asfixiados com gás lacrimogêneo. "Como é possível que 38 pessoas morram sufocadas com gás lacrimogêneo? Essa versão não me convence. O governo precisa nos explicar o que aconteceu exatamente. Mas ele não vai fazer isso", afirma Smargy.
Sem uma explicação convincente, não é possível descartar a versão da Irmandade Muçulmana. A organização culpa o regime militar pela execução dos presos e diz que os mortos passariam de 50. Além disso, a frequente falta de veracidade das informações divulgadas pelas agências estatais aumenta os questionamentos sobre a credibilidade do regime.
Também há informações controversas sobre a remoção dos acampamentos dos manifestantes. O governo confirmou que muitos corpos foram queimados, mas não deu uma explicação verossímil para o fato, diz Smargy.
"Por que esses corpos foram queimados? Nós exigimos uma explicação, mas foi dada somente uma declaração improvável de que uma mesquita havia sido incendiada", afirma.
Críticas a jornalistas ocidentais
Outros acontecimentos indicam que o Egito, sob liderança do novo regime militar, está caminhando em direção oposta à da democracia. Depois de censurar a imprensa egípcia crítica ao governo, o regime começou a perseguir também os correspondentes estrangeiros que trabalham no país.
Nos últimos dias, muitos jornalistas foram sequestrados por civis e entregues à polícia ou ao Exército. A maioria foi liberada algumas horas depois da prisão, mas o sinal é claro: quem noticiar criticamente terá problemas.
Em um pronunciamento, o Ministério da Informação reclamou da cobertura "parcial" de alguns correspondentes. "O Egito está profundamente amargurado pelo fato de que alguns meios de comunicação ocidentais estão privilegiando a Irmandade Muçulmana em suas reportagens e ignorando seus atos de violência e terrorismo", declarou o Ministério.
Com o argumento de que a Irmandade Muçulmana é uma organização terrorista, o novo governo tenta justificar suas ações violentas. Através de veículos de comunicação pró-governo, tenta-se influenciar a população, afirmando que estrangeiros são perigosos e não querem nada de bom para o país, afirma Smargy.
Segundo o especialista, por meio da criação de um inimigo artificial, apela-se para o sentimento nacional. Assim, muitos egípcios sentem-se obrigados a permanecer do lado dos militares no combate a esses supostos inimigos estrangeiros.