Festivais de música: história e códigos de vestimenta
24 de julho de 2015A Alemanha mantém cerca de 500 festivais de música erudita, com os mais diversos focos e dimensões. A DW preparou um perfil – incluindo um pouco de história e eventuais códigos de vestimenta – de sete dos eventos mais interessantes do país – e, de quebra, um na Áustria. Naturalmente, também de olho nas próximas edições.
Bayreuther Festspiele (25/07-28/08/2015)
Assim desejou o compositor e homem de teatro Richard Wagner (1813-1883): longe do burburinho das metrópoles deveria se realizar um evento de várias semanas inteiramente dedicado à apresentação de suas óperas. O local escolhido foi a pacata cidadezinha de Bayreuth, na Baviera, sul da Alemanha. A primeira edição transcorreu em 1876, estabelecendo o formato-fórmula que permanece basicamente inalterado até hoje.
Um dos pontos altos sociais do verão alemão, a abertura do Festival de Bayreuth (ou Festival Wagner) atrai numerosas personalidades nacionais e internacionais da arte, cultura, política e outros setores. No restante da temporada, o evento fica antes nas mãos de wagnerianos devotos.
Seu atrativo absoluto é a encenação dos dramas musicais do "Mestre" na casa concebida especificamente para esse fim. A espetacular acústica é louvada por melômanos, regentes e cantores, e muitas vezes imitada, porém jamais igualada. Até mesmo o conforto dos espectadores é sacrificado em nome da música: assentos estofados permanecem tabu em Bayreuth, pois abafariam demasiado o som.
Embora em parte regiamente patrocinado com verbas públicas, o festival permanece nas mãos da família Wagner, pelo menos artisticamente. Depois do próprio compositor, do seu filho Siegfried, e dos netos Wieland e Wolfgang, a atual diretora é a bisneta Katharina Wagner. Como o clã é notório por não ser dos mais harmoniosos, quase todos os anos, antes da abertura, a imprensa europeia arruma um motivo para se deliciar com as querelas e fofocas familiares dos Wagner.
Quanto ao código de vestimenta: originalmente smoking e gravata borboleta, com ou sem cartola, eram obrigatórios na "Colina Verde". Hoje já basta um terno preto.
Salzburger Festspiele (18/07-30/08/2015)
Na rua entre a Escola de Equitação e o Grosses Festspielhaus, o teatro dos festivais, o público se reúne nas noites mornas de verão, na cidade natal de Wolfgang Amadeus Mozart, na Áustria. Como num ritual, cada edição do Festival de Salzburgo é aberta, desde sua criação, em 1920, com Todo Mundo (Jedermann), peça alegórica de Hugo von Hofmannsthal, cofundador do festival, numa montagem ao ar livre diante da Catedral.
Seguem-se seis semanas de concertos, óperas e encenações teatrais do mais alto quilate. "Apresentou-se em Salzburgo" é um predicado que decora os currículos dos melhores músicos do mundo. Um certo elitismo também dita a presença do público, que desembolsa até algumas centenas de euros pelos ingressos. O traje formal é obrigatório.
Schleswig-Holstein Musik Festival (11/07-30/08/2015)
Fundado em 1986 pelo pianista alemão Justus Frantz, desde sua edição inaugural esse festival contou com o prestígio de um convidado VIP: o compositor, maestro e pianista americano Leonard Bernstein, que também participou nos anos seguintes.
Consta que o que convenceu Bernstein a apoiar foi o caráter do Festival de Música de Schleswig-Holstein: campestre, informal, simpático e povoado por artistas acessíveis – da mesma forma que o evento lançado pelo músico americano em Tanglewood, Massachusetts.
Fala-se muito numa crise da música erudita, mas nessa cidade do norte alemão ela não se faz notar. Transcorridas quase três décadas, floresce esse festival que se realiza em locais espalhados por toda a Alemanha, com seu número de apresentações elevado para 180 em 2015.
Depois de ter esgotado todos os focos nacionais – por exemplo, composições e músicos da Holanda –, nos últimos dois anos Schleswig-Holstein passou a dedicar cada edição a um determinado compositor. Em 2015, o homenageado é o russo Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840-1893).
Não há restrições de vestuário, mas é bom optar por algo informal, já que parte dos concertos se realiza em celeiros em pleno campo.
Spannungen: Musik im RWE-Kraftwerk Heimbach (8-14/06/2015)
O festival de música de câmara "Tensões: Música na Usina Heimbach" reúne "músicos absurdamente talentosos", nas palavras de seu fundador e diretor, Lars Vogt. Desde 1998, os "Friends of Lars" – como se denominam os que atendem ao chamado do pianista alemão – se encontram para tocar juntos na cidadezinha de Eifeldorf, ao sul de Colônia.
A julgar pela forma como esses instrumentistas se divertem tocando, tudo poderia acabar numa festinha entre amigos. Contudo, a prova em contrário é o fato de o contingente de ingressos colocado à venda online este ano ter se esgotado em poucas horas.
Para Spannungen, a ainda ativa usina hidrelétrica Heimbach, cuja construção no estilo Art Nouveau data de 1907, tem seu funcionamento suspenso por uma semana. Nas longas noites de junho, a música de câmara ganha proporções quase sinfônicas em sua acústica ressoante, no palco avançado em meio a velhas turbinas pintadas de preto.
Com público jovem numeroso, o ambiente é relaxado. O que não impede que, durante os concertos, a concentração e seriedade sejam absolutas: nas pausas musicais, pode-se escutar até a queda de um alfinete, no espaço musical da usina Heimbach.
Tage Alter Musik Regensburg (22-25/05/2015)
Em 1984, esse festival de música pré-clássica foi criado por três antigos membros do coro infantil Regensburger Domspatzen. Dois deles, Stephan Schmid e Ludwig Hartmann, mantém a direção artística, mostrando a cada ano quão jovem, variada e excitante é a assim chamada música antiga. O faro de ambos para jovens talentos é tão apurado, que o "Dias da Música Antiga" já se estabeleceu como vitrine dos futuros astros nesse segmento da arte erudita.
Com uma média de cinco concertos por dia, quem ainda encontrar tempo pode aproveitar para conhecer o pitoresco centro histórico de Regensburg, na Baviera, declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. E, como a ênfase aqui é definitivamente na música, e não no social, o espectador pode ir vestido bem à vontade.
Kissinger Sommer (19/06-19/07/2015)
O Verão de Bad Kissingen é o festival das distâncias curtas e dos programas longos. Embora a pequena estação balneária na Baviera não vá muito além de um spa, duas igrejas, os banhos termais do Wandelhalle e o salão de festas Regentensaal, lá os melhores músicos do mundo marcam presença.
Atraídos pelas águas minerais que hoje jorram de torneiras de ouro, entre os hóspedes ilustres de Bad Kissingen estiveram Otto von Bismarck e a imperatriz Elisabeth da Áustria ("Sissi"). E foi para distrair os VIPs da época que se construiu o Regentensaal, cujo interior revestido de madeira lembra a acústica de Bayreuth. Convém estar bem vestido para frequentar os concertos do Kissinger Sommer, mas também não é preciso exagerar na formalidade, apesar da tradição aristocrática do local.
Bachfest Leipzig (12-21/06/2015)
Os leipziguianos têm todo direito de ser orgulhosos: Johann Sebastian Bach (1685-1750) passou seus últimos 27 anos de vida e produção artística nessa cidade no leste alemão, estando sepultado na Igreja de São Tomás.
Mas o Festival Bach também atrai um grande número de melômanos de fora: dos 70 mil espectadores em 2015, dois terços não eram de Leipzig, sendo a maioria de outros países europeus, do Japão e dos Estados Unidos. Por isso os programas do evento são impressos em alemão e inglês.
O poder de atração da música bachiana é universal. Senão, como explicar os 8 mil ouvintes na Praça do Mercado de Leipzig, entre as igrejas de São Tomás e São Nicolau, durante os public viewings ou concertos ao vivo? E todos escutam silenciosos e contritos, como numa missa solene.
Embora só tenha sido criado em 1999, o Festival Bach de Leipzig já é um dos mais importantes eventos anuais de música clássica da Alemanha. Tudo num clima bem democrático, sem qualquer imposição de vestimenta. Graças a Bach.
Beethovenfest Bonn (4/09-4/10/2015)
Em 1845, quando Ludwig van Beethoven (1770-1827) completaria 75 anos de idade, o compositor, pianista e mecenas das artes austro-húngaro Franz Liszt fundou um pequeno festival em homenagem ao célebre filho de Bonn. No entanto, semelhante ao festival de Leipzig, o Beethovenfest só pegou realmente impulso em 1999.
Há dois anos a tataraneta de Liszt, Nike Wagner, é a diretora-geral. Ela lhe conferiu um direcionamento temático bem definido, com abordagem interdisciplinar. Assim, o atual festival é menos uma passarela de músicos e orquestras do que um programa artístico que convida à reflexão, incluindo também dança e teatro.
O sucesso do Beethovenfest alimentou a ambiciosa visão de uma nova casa de festivais para a cidadezinha de Bonn – projeto que parece fadado ao insucesso, após o recuo de seu principal patrocinador. O que se mantém é uma festividade inspirada pela figura de Beethoven e trazendo muito de sua música, mas não só: o repertório contemporâneo também tem lugar de destaque. No tocante ao vestuário, encontra-se de tudo, do traje simples ao formal.