Contos no teatro
30 de maio de 2007Há quem esteja convicto de que o ser humano está cada vez mais materialista, mas não é essa a impressão que se tem quando se deixa, ao final do espetáculo, a enorme tenda branca que cobre a platéia do Festival de Contos dos Irmãos Grimm, que acontece em Hanau. Ali, às margens do rio Meno, no anfiteatro do palácio Philipsruhe, milhares de espectadores vivenciam uma verdadeira celebração dos sonhos, na qual a arte cumpre sua tarefa de fertilizar o espírito dos homens em seus instintos mais sublimes.
De 18 de maio a 29 de julho, o público vindo de todos os cantos da Alemanha pode prestigiar a 23° edição de um evento de renome internacional, que traz no repertório de 2007 quatro peças inspiradas nos contos dos irmãos mais aclamados do país: O Alfaiate Valente, O Pescador e sua Esposa, O Irmãozinho e a Irmãzinha e o musical Os Sete Corvos.
O festival faz parte do calendário cultural de Hanau desde 1985, quando foram comemorados os 200 anos de nascimento de Jacob (1785/1863) e Wilhelm Grimm (1786/1859). "Eu acredito que o festival seja um ótimo exemplo de uma verdade que os contos nos ensinam: siga o seu próprio caminho, independentemente das dificuldades que possam surgir, e você mesmo determinará para onde ele vai lhe levar", afirmou Dieter Gring, que dirige o evento.
Literatura de encantamento
"O clima do festival é muito interessante. Há muitas crianças, é claro, mas as peças não são só para elas. Eu adoro vir ao festival até porque ele é montado praticamente ao ar livre", elogiou Gisela Timm, que levou seu filho de 4 anos para ver O Alfaiate Valente, peça dirigida por Dieter Stegmann e que conta a história de um pobre, mas bravo e espirituoso alfaiate que acaba se casando com a bela filha do rei depois de convencer toda a corte de que suas bravatas eram grandes feitos.
"Os irmãos Grimm tocam fundo na alma de todas as pessoas porque os contos e lendas pesquisados por eles são o próprio povo", filosofou Michael Kaltwasser, que assistiu à montagem e deu gargalhadas sempre que os gigantes da história apareciam em cena. "É fantástica a caracterização dos gigantes punks, que têm cabelo do tipo moicano. Os dois atores (Thomas-Müller Brandes e Sven Zinkan) são engraçadíssimos. Só eles já valem a peça", avaliou.
O cartaz do Festival de Contos dos Irmãos Grimm deste ano também arrancou aplausos entusiasmados dos admiradores dos dois gênios de Hanau. Feito pela artista plástica Silvia Küchel, ele é um apelo irresistível para uma ida ao anfiteatro de Philipsruhe. Tanto que cinco outras pinturas a óleo feitas por Silvia, também inspiradas pelos contos dos Grimm, estão sendo leiloadas no site do festival.
Deleite para os olhos
Os cenários das montagens realizadas no festival também impressionam pela criatividade. A jornalista Dorothee Müller, do periódico Fuldaer Zeitung, fez questão de ressaltar o capricho visual das peças: "O festival de contos é uma grande atração para os olhos, mas também um alimento para o espírito. E o público se diverte!".
Num dia de sol, a bela tenda fincada nos jardins do palácio confere uma luminosidade especial ao palco, sugerindo um efeito meio esbranquiçado, como nas visões dos sonhos. As histórias recolhidas e catalogadas por Jacob e Wilhelm Grimm dos lugarejos mais improváveis da Alemanha (e também da Europa) medieval ganham contornos ainda mais alucinantes.
Os dois irmãos, que tiveram sua obra tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade em 2005, cativaram o planeta inteiro com histórias como João e Maria, Rapunzel e Chapeuzinho Vermelho, entre muitas outras. Os legendários Contos da Criança e do Lar têm, como livro em língua alemã, popularidade universal só comparável à Bíblia de Lutero, tendo sido vertidos para 160 idiomas.
Sucesso no Brasil
No Brasil, os irmãos Grimm também são considerados ícones. Eles estão entre os autores alemães mais montados em teatros no país e ganharam uma adaptação extraordinária de Chico Buarque do original de Sergio Bardotti. Chico fez do conto Os Músicos de Bremen o musical Os Saltimbancos, de 1977, sucesso de bilheteria nas principais metrópoles brasileiras e lançado em disco.
A também marcante Coleção Disquinho, dos vinis coloridos que estouraram no Brasil inteiro na década de 70, e que tinha música composta por Braguinha e arranjos de Radamés Gnatalli e Severino Araújo, também trazia entre seus principais títulos diversas histórias de Jacob e Wilhelm.
Isso sem falar nos livros reeditados regularmente no país. "Me impressiono que os contos infantis sejam chamados de 'contos'. Deveríamos ter a coragem de inventar outros nomes para essas coisas maravilhosas", sentenciou certa vez o escritor Elias Canetti, que também escrevia na língua dos Grimm.