Filho de Bolsonaro fala em fechar STF e provoca nova crise
22 de outubro de 2018A menos de uma semana do segundo turno, a campanha de Jair Bolsonaro (PSL) se viu envolvida em mais um episódio que alimenta temores sobre o comprometimento do presidenciável com o sistema democrático e a independência dos poderes. O catalisador, desta vez, foi uma declaração de um dos filhos do militar reformado, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que fez ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) caso a corte apresente algum questionamento à candidatura do pai.
A fala faz parte de um vídeo gravado em julho e que ganhou destaque em redes sociais no fim de semana. Nele, Eduardo fala sobre uma hipotética ação para fechar o Supremo. "Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não. O que é o STF? Tira o poder da caneta de um ministro do STF", disse.
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Eduardo respondia a uma pergunta sobre uma eventual ação do Supremo para barrar a posse de Bolsonaro como presidente se o candidato fosse acusado de fraude nas eleições. A fala aconteceu durante um cursinho para candidatos a agentes da Polícia Federal em Cascavel (PR) no qual Eduardo palestrava (ele é agente federal licenciado).
"Se prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor do ministro do STF, milhões na rua? 'Solta o Gilmar, solta o Gilmar'. Com todo respeito que tenho ao excelentíssimo ministro Gilmar Mendes, que deve gozar de imensa credibilidade junto aos senhores", ironizou.
A fala de Eduardo ganhou ainda mais destaque porque ele não é meramente um filho de um presidenciável. Além de ter conseguido no primeiro turno a maior votação para deputado federal da história, ele também é um dos coordenadores da campanha do pai e uma das figuras fortes do seu núcleo decisório.
Para o jurista Alberto Toron, a fala do deputado foi golpista. "É um tipo de declaração de inspiração nitidamente golpista, que despreza não apenas os poderes constituídos do Estado, mas a própria democracia. Ela, portanto, merece a nossa mais viva repulsa. Espanta que em pleno período democrático, às vésperas do segundo turno, alguém se permita esse tipo de afirmação e, o que é pior, impunemente. Ela merece um tratamento rigoroso, já que é um crime contra a democracia." Ainda segundo Toron, por ter partido de um deputado, a fala também fere o decoro parlamentar.
Já o professor de direito constitucional Rubens Glezer, da FGV-SP, afirmou que a fala soa como uma ameaça e revela "uma concepção do deputado mais bem votado da história do país de ignorar, e não de valorizar, a dimensão institucional das relações democráticas".
Ainda segundo Glezer, para piorar, Eduardo fez um diagnóstico preciso sobre a atual influência do STF em resistir a investidas de um Executivo autoritário e popular. "É muito triste, mas essa análise sobre a capacidade de o STF resistir a outros poderes é muito precisa. Nós estamos justamente num cenário em que o STF gastou tanto sua reputação que um Executivo popular poderia fechar o tribunal sem que houvesse maior oposição e resistência. E isso poderia mesmo ser feito com pouca força. Cortes constitucionais são mesmo vulneráveis. Elas não controlam o Exército ou a gestão do orçamento. A proteção delas é via reputação e legitimidade, e esse é um capital que o STF gastou nos últimos anos", afirmou.
Inicialmente, apenas um dos 11 ministros do tribunal repudiou publicamente de maneira enfática a declaração. Celso de Mello, decano do STF, classificou a afirmação de "inconsequente e golpista" após um questionamento do jornal Folha de S. Paulo. "Essa declaração, além de inconsequente e golpista, mostra bem o tipo (irresponsável) de parlamentar cuja atuação no Congresso Nacional, mantida essa inaceitável visão autoritária, só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição da República!!!!", disse.
Já os ministros Marco Aurélio Mello e Rosa Weber concederam declarações menos enfáticas. Mello se limitou a dizer que considera que vivemos "tempos sombrios". Já Weber, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que o conteúdo da fala "pode ser compreendido" como "inadequado" e que "as instituições estão funcionando normalmente".
Outros ministros se mantiveram em silêncio ou só falaram em condição de anonimato. O caso mais chamativo foi o do presidente do STF, Dias Toffoli, que está na Itália e demorou a se manifestar. No início de outubro, Toffoli se envolveu numa controvérsia ao afirmar não gosta de usar a expressão "golpe ou revolução de 1964", mas "movimento de 1964". Ele ainda foi alvo de questionamentos em setembro ao nomear um general da reserva como assessor. Segundo a revista Época, esse general participou de um grupo que formolou propostas para a campanha de Bolsonaro.
"Não sei se o presidente Toffoli pediu para o decano fazer a manifestação, ou, se ele, por enquanto, prefere não se manifestar. De qualquer modo, penso que, como presidente do STF, a omissão dele é imperdoável", afirmou Toron. Horas depois, Toffoli se manifestou e disse que "atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia".
Já Glezer avaliou que o silêncio da maioria dos ministros é um silêncio de "quem está contra a parede". "Existe cautela porque existe possibilidade real de o tribunal ser ou fechado ou a composição ser diluída com mais dez ministros ou seus poderes serem severamente cortados – e muitos brasileiros abraçariam esse tipo de medida."
Após a repercussão do caso, Eduardo recuou em um texto publicado em sua conta no Facebook. "Eu respondi a uma hipótese esdrúxula, onde Jair Bolsonaro teria sua candidatura impugnada pelo STF sem qualquer fundamento. De fato, se algo desse tipo ocorresse, o que eu acho que jamais aconteceria, demonstraria uma situação fora da normalidade democrática. (...) Se alguém defender que o STF precisa ser fechado, de fato essa pessoa precisa de um psiquiatra", disse. Ele, no entanto, afirmou que a divulgação do vídeo foi "mais uma forçação de barra para atingir Jair Bolsonaro".
Horas antes, Bolsonaro também já havia tentando minimizar o episódio. "Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra", disse o candidato. A essa altura, a fala já havia gerado repúdio de várias personalidades. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, disse que as declarações "cheiram a fascismo".
Enquanto o episódio ainda gera repercussão, a rede de propaganda de Bolsonaro nas redes sociais tratou mais uma vez de criar uma distração para o episódio ao resgatar uma fala do deputado petista Wadih Damous. Em abril, ele havia dito após a prisão do ex-presidente Lula que o STF deveria "ser fechado" e que os ministros deveriam ser "enquadrados".
O relacionamento do próximo presidente com o STF deve ser especialmente sensível, já que ele terá a chance de influenciar a futura composição da corte no seu mandato. Considerando a idade de alguns membros da atual formação, dois ministros devem se aposentar entre 2020 e 2021.
Bolsonaro também já deu várias declarações controversas sobre o que pode fazer com esse poder de indicação. Em agosto disse que pretende indicar ministros "cristãos" para aumentar a presença religiosa na corte e "equilibrar o jogo".
Em julho afirmou, em entrevista a uma rádio, que chegou a considerar propôr criar dez vagas na corte, elevando o total para 21. "É uma maneira de você botar dez isentos lá dentro", disse. Bolsonaro depois recuou, mas a fala levantou questionamentos sobre seu comprometimento com a independência do tribunal, já que a tática de aumentar o número de vagas para diluir a formação de tribunais superiores foi usada pelo regime autoritário chavista da Venezuela nos anos 2000.
Aliados do presidenciável também já fizeram críticas e ameaças ao STF. No domingo, o presidente do PSL, Gustavo Bebianno, minimizou em entrevista o episódio envolvendo Eduardo Bolsonaro, mas afirmou que "seria bom que o STF recuperasse a sua credibilidade". Num eventual governo Bolsonaro, Bebianno é um dos nomes cotado para assumir o Ministério da Justiça.
Já o general Eliéser Girão Monteiro Filho, eleito deputado pelo PSL, chegou a defender no dia 11 de outubro o impeachment e a prisão de ministros do Supremo que concederam decisões que beneficiaram políticos envolvidos em esquemas de corrupção. "Dentro do plano de moralização das instituições da República, está o impeachment de vários ministros do STF. Não tem negociação com quem se vendeu para o mecanismo. Destituição e prisão", escreveu ele no Twitter.
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