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Filosofia

Simone de Mello30 de setembro de 2007

Mladen Dolar constrói uma teoria sobre a voz, objeto de estudo que escapa à descrição de muitas disciplinas.

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Voz: para além do fetiche e da persuasãoFoto: Illuscope

Vou tentar mostrar que, ao lado das duas formas comuns de uso da voz – a voz como portadora de significado e a voz como objeto de admiração estética – existe um terceiro nível: o objeto voz, que não se dilui no ar após a transferência de significado, nem se fossiliza como monumento de adoração fetichista, mas se revela como ponto cego do chamado e como interferência na apreciação estética.

O primeiro nível se atinge quando se ataca, o segundo, quando se vai à ópera. Para se atingir o terceiro nível, é preciso se ater à psicanálise. Exército, ópera, psicanálise?

Assim descreve o teórico esloveno Mladen Dolar a principal motivação de sua teoria sobre a voz, publicada em inglês pela MIT Press no ano passado e neste ano em alemão. Em His Master's Voice – Eine Theorie der Stimme (A Voz do Dono – Uma Teoria da Voz, Suhrkamp, 2007), Dolar resgata as reflexões lacanianas sobre a voz para descrever esse fugidio canal de expressão como uma chave daquilo que a psique codifica.

Localizar na interseção

Fugidia, a voz se revela não apenas pelo fato de desaparecer no ar, sem deixar pistas. Também como objeto de estudo, a voz geralmente é tratada como acessório da linguagem, elemento periférico, sem constituir a chave de nenhuma teoria. Uma teoria da voz, portanto, tem que ser destilada das considerações marginais feitas nas outras ciências.

Esse é o procedimento de Mladen Dolar em His Master's Voice. Ao considerar a lingüística da voz e da não-voz, o autor demonstra a exclusão da voz da descrição da linguagem pelo sistema diferencial da fonética.

Em outros âmbitos, como a física, a metafísica, a ética e a política, Dolar localiza seu objeto fugidio na interseção de determinadas esferas. A voz é localizada como intervalo entre corpo e linguagem, entre sujeito e Outro, entre som e palavra, escapando a qualquer atribuição de papel unívoca.

Diferença da voz

É por isso que Mladen Dolar destila indícios da matéria fônica humana nas teorias psicanalíticas de Freud e Lacan, esboçando aos poucos sua função constituinte do subconsciente, ao mesmo tempo em que a caracteriza como canal transmissor de impulsos psíquicos vindos à tona.

Ao contrário de Derrida, que associa a voz – em oposição à escrita – à presença do sujeito e a uma origem que tende a negar o Outro e qualquer traço de alteridade, Dolar se empenha em reabilitá-la como fator dinâmico de subversão dos mecanismos psíquicos de constituição de significado.

Do episódio à teoria

A reflexão de Mladen Dolar, professor de Filosofia da Universidade de Liubliana, remete ao pensar associativo de Slavoj Žižek, outro teórico lacaniano esloveno. Ambos partem de um horizonte teórico europeu precisamente demarcado, mas ampliam sua visão através do tratamento indiscriminado dos mais diferentes fenômenos culturais, de obras de arte específicas a casos cotidianos concretos.

Embora sua teoria seja menos abrangente que as reflexões sobre mídia e psicanálise de Žižek, Mladen Dolar se move em um amplo raio de referências. Em His Master's Voice, ele oscila entre uma apreciação quase narrativa de episódios culturais sintomáticos e o acesso irreverente a teorias que fundamentam o pensamento europeu.

Mladen Dolar - His Masters Voice - Buchcover

Mladen Dolar: His Master's Voice – Eine Theorie der Stimme (A voz de seu Mestre – Uma Teoria da Voz). Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 2007; 259 pp.