Fim de uma presidência fraca e de uma comissão forte
25 de outubro de 2004Nos últimos meses de seu mandato, o presidente da Comissão Européia, Romano Prodi, passou a impressão de estar estranhamente alheio à realidade à sua volta. Político moderado de esquerda, Prodi, que chegou a Bruxelas em 1999 após renunciar ao cargo de primeiro-ministro da Itália, parecia já estar se despedindo internamente da Comissão Européia. Seu próximo desafio será abocanhar em Roma o cargo de chefe de governo das mãos do conservador e arquiinimigo Silvio Berlusconi.
Tentativas de fortalecer Bruxelas
Prodi deixa a presidência da UE frustrado, principalmente em função do bloqueio exercido por chefes de governo e Estado a seu ambicioso Projeto Lisboa. O professor de Economia Prodi pretendia concentrar as decisões econômicas e os projetos inovadores do continente nas mãos da UE. Uma intenção barrada várias vezes pelos governos nacionais, principalmente quando se tratava de transferir o pólo de decisões político-econômicas para Bruxelas. Entre outros, o chanceler federal Gerhard Schröder foi um dos freios às intenções de Prodi.
O premiê alemão, por sua vez, gostaria de ter tido um tecnocrata ocupando a presidência da Comissão Européia, ou seja, alguém capaz de conduzir os 17 mil funcionários públicos a ele subordinados. Prodi, por sua vez, não se via única e exclusivamente como um mero diretor administrativo, mas acima de tudo como presidente político, que determina prioridades e define os rumos da UE. Frente a tais ambições, Prodi fracassou.
Luta pelo poder
Schröder, que havia apoiado o nome de Prodi para o cargo no encontro de cúpula do bloco em Berlim, no ano de 1999, cometeu um erro na sua escolha. Embora na função de chefe de governo Prodi tenha preparado economicamente a Itália para a introdução do euro – através de reduções rígidas de gastos entre 1996 e 1999 –, sua presidência na Comissão Européia não se caracterizou pelos mesmos propósitos.
Já em 2000, Prodi protestava em seu discurso de posse contra a lentidão dos governos dos então 15 países-membros do bloco, que, em sua opinião, ignoravam as decisões tomadas pela Comissão. Embora tenha tentado com freqüência aglutinar poder à sua volta, Prodi nem sempre foi bem-sucedido em suas ambições.
Sucessos e fracassos
Mesmo assim, são vários os resultados positivos de seu mandato como presidente da Comissão Européia, entre estes a ampliação do bloco em maio de 2004 e a decisão de dar início às negociações com a Turquia visando um futuro ingresso. O sucesso dessas empreitadas se deu acima de tudo graças à atuação de um de seus comissários mais fortes, o alemão Günter Verheugen. Atrás de outra das grandes mudanças por que passou a UE neste período, a reforma do setor agrário, está da mesma forma outro comissário de pulso: o austríaco Franz Fischler.
A introdução do euro como moeda comum da UE é também uma história de sucesso, cujas bases, porém, já haviam sido sedimentadas antes da presidência de Prodi. A Comissão Européia cambaleou várias vezes ao tentar defender o Pacto de Estabilidade do euro, tendo saído vitoriosa até mesmo da Corte Européia de Justiça. Mesmo assim, teve que se curvar, no fim das contas, à vontade política dos ministros das Finanças do bloco.
"Ordem na casa"
Depois dos escândalos envolvendo corrupção que provocaram a demissão de seu antecessor, Jacques Santer, Prodi tentou, a partir de 1999, colocar "ordem na casa". Entre outras medidas, estabeleceu uma série de reformas institucionais na UE, tendo criado um departamento destinado exclusivamente ao combate à corrupção. Mesmo assim, as finanças da UE ainda não se tornaram completamente transparentes. Apenas com a posse da próxima comissão, as funções de administrar e controlar as finanças serão distribuídas a dois comissários distintos.
A Comissão Européia, que recebeu nos últimos anos novas incumbências, apresentou nos últimos cinco anos um número recorde de projetos de lei. Em questões relacionadas à formação de cartéis e na regulamentação de limites para a concorrência no mercado interno, costuma-se dizer que a Comissão foi longe demais. Alguns falam até mesmo de super-regulação. Neste caso, o consumidor levou vantagem. Durante a crise envolvendo a "vaca louca", Prodi manteve-se firme contra os países que procuraram defender diretrizes não muito rígidas no controle da carne bovina.
Aos 65 anos, Prodi pretende voltar a fazer parte do rol de chefes de governo – os mesmos que sacudiram tantas vezes os ombros perante suas propostas nos últimos anos. Em Bruxelas, vale a fórmula comprovada empiricamente: uma boa comissão, mas um presidente medíocre e frágil em sua presidência.