Florença é o berço do Renascimento e ponto obrigatório para amantes da arte
20 de dezembro de 2013Ao visitar Florença em 1796, durante sua legendária viagem pela Itália, o autor alemão Johann Wolfgang von Goethe não ficou especialmente impressionado. Ele atravessou a cidade à beira do Rio Arno "na maior pressa": para ele, tratava-se apenas de uma estação de passagem, a caminho de Roma, Nápoles e, finalmente, a Sicília.
A cada ano, milhões de turistas mostram discordar de Goethe. Florença é considerada a "pérola da Toscana", um local de peregrinação obrigatório para todo entusiasta da cultura e história europeias.
Agora, uma exposição na cidade alemã de Bonn é tão ampla que chega a tornar dispensável uma viagem até a Itália. A mostra equivale a um passeio por sete séculos da história da metrópole, permitindo explorar em poucas horas o mito florentino. No museu Bundeskunsthalle foram reunidos, além de obras de arte, mapas históricos, correspondência manuscrita, documentos raros, obras de arte seletas, tecidos orientais.
Idade Média de Dante e Giotto
Logo na área de entrada, o visitante se depara com uma obra prima, a Alegoria da Divina Comédia. No centro, numa atitude de árbitro, encontra-se Dante Alighieri, autor do monumental poema e figura-chave do humanismo. À sua direita abre-se o Inferno, atrás dele está o Paraíso, e à esquerda erguem-se, majestosas, as cúpulas e torres da cidade de Florença. Normalmente, a célebre pintura de 1465, de Domenico di Michelino, fica meio escondida, numa nave lateral da catedral florentina, mas em Bonn o visitante pode contemplá-la bem de perto.
Florença fascina por seu rico patrimônio cultural, e pela primeira vez uma exposição na Alemanha atravessa a história da cidade tornada mito. Já por volta de 1300 ela era uma metrópole mercantil com potencial de crescimento. Desde o princípio, arte e dinheiro andavam de mãos dadas: assim, a mais fina seda, entremeada de fios de ouro, é exposta lado a lado com documentos de negócios e com a moeda local, o florim.
Embora não fosse gigantesca, com 100 mil habitantes ela contava entre as maiores metrópoles da Idade Média. Desde cedo travavam-se negócios com terras distantes, os contatos comerciais se estendiam até a Pérsia. Os numerosos artistas residentes tampouco se mantinham alheios às influências orientais: os pintores Giotto e Fra Angelico criaram obras que assombram os pesquisadores até hoje.
Entre os testemunhos da arte sacra florentina encontram-se quadros e esculturas de São João Batista, o patrono da cidade, assim como numerosos retratos de Nossa Senhora. A catedral é um importante centro religioso: sua cúpula, uma obra prima do arquiteto renascentista italiano Filippo Brunelleschi, pode ser vista em Bonn, em toda a complexidade, numa maquete de madeira e em filme.
As letras também são um componente importante no perfil de Florença: poetas como Dante, Petrarca e Boccaccio lá viveram e criaram uma literatura com base na língua do povo. Entre os numerosos objetos eruditos expostos na Bundeskunsthalle está um manuscrito em pergaminho da Divina Comédia de Dante, de 1396.
Renascença e o dinheiro dos Médici
Florença atinge seu apogeu cultural na Renascença: lá foram criadas obras de fama universal, como a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Contribuindo para sua consagração como centro das artes, o comércio alcança sua época de ouro, e, com a conquista da vizinha Pisa, os florentinos passam a ter acesso direto ao mar.
Para Annamaria Giusti, historiadora de arte e uma das curadoras da mostra, a instituição do mecenato é o que compõe o espírito da cidade. "Florença já era rica no século 12. O mais tardar a partir do século 13, o comércio passa a florescer." E os negociantes empregavam seus bens para embelezar o local e apoiar artistas.
"Para os habitantes, as artes estavam acima de tudo. Não importava quanto custasse: a beleza tinha prioridade", relata Giusti, que também dirige o departamento de arte moderna do Palazzo Pitti, antiga residência do rei da região da Toscana, transformada em museu de arte.
O humanismo florentino propôs um novo olhar sobre a Antiguidade Clássica, declarando o homem a medida de todas as coisas. Nas artes plásticas, os conceitos de espacialidade e perspectiva central encarnam essa nova visão.
Porém o poder do dinheiro não deixa de se fazer sentir. O que seria de Florença sem a família de banqueiros dos Médici, que a partir de 1434 marcam decisivamente a vida cultural e política local? Seu poder se faz sentir em toda a cidade: eles financiam mosteiros e igrejas, patrocinam cientistas e artistas como Sandro Botticelli, cujo têmpera Minerva e o centauro é um dos pontos altos da mostra em Bonn.
O quadro mostra uma jovem, de vestido semitransparente e cabelos esvoaçantes, que doma uma figura metade homem, metade cavalo. Selvageria e virtude se confrontam. A intenção moralizante fica mais clara quando se sabe que a pintura adornava a alcova de um dos Médici. Ela é também testemunho da expertise histórico-artística da família.
Poder do passado
Em 1563, Cosimo de Médici funda a primeira academia para pintores e escultores. Seu diretor é o célebre Giorgio Vasari, sob cuja influência o desenho passa a ser praticado em Florença como gênero artístico autônomo. Pintura, escultura e arquitetura são as novas áreas das belas artes.
Com o fim da era Médici, no século 17, vem a transição para o período moderno e o domínio da Casa de Habsburgo-Lorena. O grão-duque Pedro Leopoldo impulsiona o processo de modernização, que nos séculos 18 e 19 tornará Florença um importante sítio de museus.
Colecionadores e comerciantes de arte lá se estabelecem e negociam com arte italiana em nível internacional. Dentro do espírito do Iluminismo, todos passam a ter acesso à arte; a monumental Galleria degli Uffizi é aberta ao grande público; são fundados museus de ciência. Assim, ao longo dos séculos, a própria cidade se transforma, ela mesma, numa obra de arte.
Na opinião da perita italiana Annamaria Giusti, a exposição na cidade renana é uma oportunidade de conhecer Florença em seus aspectos mais positivos. Para tal, algumas obras deixaram a Itália pela primeira vez.