França quer punir militares que defenderam intervenção
28 de abril de 2021A Ministra das Forças Armadas da França, Florence Parly, disse nesta terça-feira (27/04) que pretende punir um grupo de militares que assinou uma carta aberta defendendo uma "intervenção" no país.
No documento, os militares afirmam que tal ação pode ser necessária caso o governo francês não tome medidas para "erradicar os perigos" que estariam levando o país a uma "guerra civil".
Entre os "perigos" listados pelos militares estão o islamismo e as "hordas das periferias" das grandes cidades francesas - em muitos casos habitadas por imigrantes. Os signatários ainda denunciam o que chamam de ideologia "antirracista" que quer promover uma "guerra racial" e "apagar a história" da França.
"Se nada for feito, a frouxidão continuará a se espalhar inexoravelmente na sociedade, causando em última instância uma explosão e a intervenção de nossos camaradas da ativa em uma perigosa missão para proteger nossos valores civilizacionais e salvaguardar nossos compatriotas em território nacional", diz o documento.
A carta foi assinada por 1.200 militares da reserva, incluindo 24 generais. O texto foi publicado na revista de extrema direita Valleurs Actuelles no dia 21 de abril.
A data não passou despercebida, já que marcou o aniversário de 60 anos do "Putsch dos generais", uma tentativa fracassada de golpe de Estado que ocorreu na França em 21 de abril de 1961. Na ocasião, um grupo de generais tentou depor o presidente Charles de Gaulle em retaliação aos planos do chefe do Executivo de conceder independência para a Argélia (então um departamento francês). O golpe foi debelado quando De Gaulle prendeu vários participantes da conspiração em Paris e fez uma pelo via TV e rádio para que a população reinsistisse à tentativa de derrubar o governo.
Apoio da extrema direita
A carta dos generais da reserva divulgada na semana passada provocou repúdio no meio político francês. Apenas um partido manifestou apoio aos signatários: o Reagrupamento Nacional, da política de extrema direita Marine Le Pen, que costuma propagar pontos de vista similares aos expressados no documento.
"A situação no nosso país é tão grave (...) vários políticos já falaram em situação de guerra civil em certos bairros da periferia", afirmou Le Pen, que já concorreu duas vezes à Presidência da França, em entrevista à rádio France Info. Ela disse compartilhar a "aflição" manifestada pelos militares que assinaram a carta.
Uma pesquisa divulgada em 2017 apontou que até 47% dos policiais e militares franceses haviam votado em Le Pen na eleição presidencial daquele ano.
A ministra Florence Parly criticou o posicionamento de Le Pen. "A politização dos exércitos sugerida por madame Le Pen enfraqueceria nosso mecanismo militar e, portanto, a França. Os exércitos não estão lá para fazer campanha [política], mas para defender a França e proteger os franceses", escreveu Parly no Twitter.
"Dois princípios imutáveis orientam a ação dos militares em relação à política: neutralidade e lealdade", completou a ministra. Ela também disse em entrevista que solicitou ao chefe do Estado-Maior das Forças Armadas que aplicasse punições contra militares que assinaram a carta que eventualmente ainda estejam na ativa.
Por outro lado, Parly também tentou minimizar o impacto do documento, afirmando que a "imensa maioria" dos militares são leais à Constituição. O analista político Jean-Yves Camus também minimizou o significado da carta em entrevista à agência AFP, afirmando que os signatários "não eram pesos pesados" no Exército. Nenhum deles, por exemplo, era general de cinco estrelas. Parly também afirmou que os generais que assinaram o documento "não têm mais nenhuma função em nossos exércitos e apenas representam a si mesmos".
Entre os generais signatários do texto figura Christian Piquemal, que chegou a ser preso em 2016 por participar de uma manifestação em Calais contra a "islamização da Europa".
jps/lf (AFP, RFI, ots)