Frederico, o Grande, um astro do cinema alemão
21 de fevereiro de 2012Teóricos da cultura, historiadores e biógrafos têm debatido exaustivamente sobre Frederico 2º, rei da Prússia (1712-1786), cognominado "O Grande": se ele era um militarista ou um filósofo, se ambas as coisas, se um aspecto predominava – as conclusões são várias. O cinema também tem fornecido suas próprias respostas – menos orientadas pelos fatos do que por visões idealizadas – e elas contribuíram muito para a formação do mito Frederico no século 20.
Vitória da idealização
A rigor, essa influência já se inicia no fim do século anterior, nos primórdios do novo meio, quando ainda não se falava de uma "sétima arte" ou de cultura relacionada às "imagens móveis". Pioneiros do cinema como os Irmãos Skladanowsky e Oskar Messter rodaram suas primeiras películas sobre o rei alemão ainda antes da virada do século.
A partir daí, Frederico 2º se consagrou como uma importante personagem cinematográfica na Alemanha. Durante a década de 1920 e pelo regime nacional-socialista (1933-1945) adentro, foram realizados 15 filmes sobre ele. Além disso, lançaram-se numerosas produções culturais e de publicidade dedicadas ao lendário "Velho Fritz", como ainda o chamam carinhosamente os alemães.
Na época, o cinema alemão tinha respostas bastante particulares sobre quem fora esse "grande" prussiano. Suas tão evocadas "virtudes alemãs" – dedicação e disciplina –, mas também sua bondade e popularidade, foram ainda mais exageradas nas grandes telas.
Por vezes, colocavam-se em primeiro plano as "façanhas" militares, por outras, as aptidões artísticas de Frederico 2º. Mas, a imagem final da película era sempre de um soberano idealizado, magnífico. E assim, o cinema alemão da primeira metade do século 20 ficou devendo ao mundo sua grande biografia crítica do "monarca esclarecido".
Nostalgia de glórias passadas
Fridericus Rex (1920-1923), obra em quatro partes do nobre Arzén von Cserépy, de origem húngara, obscureceu tudo o que a indústria alemã tivera a oferecer até então. Especialmente do ponto de vista comercial, mas também no tocante ao discurso dentro da sociedade.
Como assinala Paul Werner em sua Skandalchronik des Deutschen Films (Crônica de escândalos do filme alemão), a "humilhação da derrota" na Primeira Guerra Mundial e a "vergonha pelo ditado de paz de Versalhes" envenenavam muitas cabeças na Alemanha, e prepararam o solo para esse olhar cheio de saudades sobre um passado glorioso, cheio de poder militar e de carismáticos heróis nacionais. E, por tabela, a esperança de uma reedição desse passado, num futuro próximo.
Ladeado pelos ataques da esquerda política e pelo júbilo da direita, Fridericus atraiu hordas de espectadores às salas de exibição, quebrando os recordes de bilheteria da época. E lançou duas modas que só viriam a se desenvolver plenamente décadas mais tarde: a da ofensiva de marketing – na forma de inúmeras publicações, discos, partituras, cartões postais e outros –, e a de tentar perpetuar o sucesso de público em sequels e prequels.
A personagem de uma vida
Outro "mito" cinematográfico relacionado à figura de Frederico 2º foi Otto Gebühr. Ator de teatro e cinema de êxito até então modesto, ele encontrou no soberano o papel de sua vida. A semelhança física do ator com os retratos conhecidos na época – sobretudo as famosas telas de Adolph Menzel – o transformaram no veículo ideal para representar o herói histórico.
Em quase todas as biografias filmadas da época, Gebühr assumiu o papel principal, foi empregado como garoto-propaganda, coletou donativos fantasiado de Rei da Prússia. Segundo o autor Paul Werner, "nunca na história do cinema alemão, nem antes, nem depois, um ator se identificou de tal forma com seu papel".
Nos anos seguintes, não eram só as crianças de escola a confundir o Velho Fritz e seu alter ego: o próprio Aldolf Hitler estava entre seus fãs. Um retrato do monarca o acompanhou até os últimos dias de vida, em seu bunker em Berlim. É não é preciso muita fantasia para imaginar o que o ministro Joseph Goebbels e seu aparato de propaganda fizeram de Frederico 2º: o mito já estava criado, bastava completá-lo com alguns ingredientes nazistas. O soberano acabaria sendo honrado como "o primeiro nacional-socialista".
Manipulação de massas
O jornal Der Völkische Beobachter escreveria sobre Der alte und der junge König (O jovem e o velho rei), de 1935: "O triunfo do cinema alemão! Isto é um filme. O filme alemão. Finalmente. Uma obra poderosa de força criativa e criadora que, com ímpeto tremendo, explode os estreitos limites [...] É uma revelação da alma alemã, impossível de se imaginar de forma mais prodigiosa e avassaladora".
No anos seguintes, os nazistas continuariam rodando mais produções sobre Frederico 2º, com o fim expresso de provocar certas reações nos espectadores. Um dos últimos é Der grosse König (O grande rei, 1940-1942), de Veit Harlan, assim louvado pela revista Filmwoche: "Esse filme, que retrata a decisiva luta do grande Frederico na segunda metade da Guerra dos Sete Anos, conduz da noite à luz, da catástrofe à vitória".
Quando a produção foi lançada nas salas alemãs – no início de 1942 e após as aniquiladoras derrotas no front oriental – muitos no país já sabiam que "noite" e "catástrofe" não prenunciam, necessariamente, a vitória. Mas o cinema ainda os ajudava a recalcar.
A cada um, seu Frederico
Quem assiste, hoje em dia, a uma película como Die Tänzerin von Sanssouci (A dançarina de Sanssouci, Friedrich Zelnik, 1932) percebe a enorme artificialidade da figura de Frederico 2º. Nesse caso específico, rodado um ano antes da tomada de poder pelos nazistas, tratava-se de uma diversão inocente.
Otto Gebühr incorpora o rei prussiano como galã charmoso, que só no último momento recua diante da sedução da famosa dançarina Barberina. Não por não ter interesse no sexo oposto, mas porque negócios estatais e decisões militares o chamavam. Disciplina e política em vez de sexo: também uma piada, considerando-se que as pesquisas biográficas atuais mostram que o monarca era, na verdade, atraído pelo próprio sexo.
A continuação da carreira de Frederico 2º nos cinemas confirma: a personagem histórica foi sempre reinterpretada por produtores e diretores da forma que julgavam adequado. E, neste aspecto, não fazia diferença se quem ocupava a cadeira do diretor estava a serviço dos nazistas, da República Federal da Alemanha, ou da comunista República Democrática Alemã.
Autor: Jochen Kürten / Augusto Valente
Revisão: Francis França