Decorrido quase um terço da temporada 2021/2022, o mundo do futebol alemão é surpreendido por uma situação inusitada nas altas esferas da tabela da Bundesliga. Logo atrás dos gigantes Bayern de Munique e Borussia Dortmund aparece o Freiburg em terceiro lugar. Inacreditável!
Enquanto clubes com elencos milionários e estrutura financeira consolidada como Leverkusen, Wolfsburg e Leipzig ainda não se acharam no atual torneio e continuam à procura de sua melhor forma técnica, a popular agremiação da "Metrópole da Floresta Negra" dá as cartas e desponta, pelo menos por enquanto, como a maior surpresa do campeonato.
Não bastasse tudo isso, um lançar de olhos sobre a tabela de classificação nos revela que o Freiburg é o único time que ostenta uma invencibilidade de dez partidas – foram seis vitórias e quatro empates até agora e ainda se dá ao luxo de contar com a defesa menos vazada da atual campanha. Sofreu apenas sete gols. É um feito e tanto.
Mas afinal, qual é o segredo?
Uma das faces do sucesso é o técnico Christian Streich. Há dez anos no cargo, ele é o treinador mais duradouro da Bundesliga. Sem contar que de 1995 a 2011 dirigiu os times de base sub-15 e sub-19. Experiência no clube não lhe falta. Streich transmite um feixe carregado de energia, emoção e empatia aos seus comandados ao mesmo tempo em que representa exemplarmente os valores caros aos habitantes desta região da Alemanha: modéstia, humildade e identificação com a cultura local.
Outra qualidade do treinador é sua capacidade de incentivar e motivar os jovens recém-chegados. Dedica tempo à molecada com conselhos e muita conversa, fazendo valer a sua experiência como coach dos times de base durante 16 anos.
Os jovens agradecem e, com o tempo, mas sem pressa, participam do processo de integração no elenco. É o caso do zagueiro austríaco Philipp Lienhart. Chegou do Real Madrid em 2017 aos 21 anos de idade, e seu processo de adaptação durou mais ou menos dois anos. Finalmente em 2019 se tornou titular. Para a atual temporada, Streich promoveu seis jovens dos times de base à equipe principal.
Outro segredo diz respeito à continuidade, não apenas do comando técnico com Streich, mas também no que se refere ao próprio elenco. Do atual conjunto enxuto de 26 jogadores, 12 estão na faixa entre 26 e 32 anos, e dez estão no clube no mínimo desde 2018. Cresceram juntos como um coletivo e juntos acumularam muita experiência.
É o caso do atacante Nils Petersen. No clube desde 2015, atuou em 210 partidas e marcou 97 gols. Nada mal para um centro-avante de um time considerado modesto e sem maiores pretensões a não ser a de escapar do rebaixamento. A espinha dorsal do time é formada por profissionais que jogam juntos já faz algum tempo: o capitão Christian Günther (zagueiro), Nicolas Höfler (volante), Vincenzo Grifo (meia ofensivo), além do próprio Nils Petersen. É esse quarteto de veteranos que dá suporte e ajuda no processo de integração dos mais jovens.
A maioria dos jogadores já conhece de cor e salteado a filosofia de jogo proposta pelo técnico Christian Streich. O time é capaz de jogar com diferentes sistemas táticos e possui uma estabilidade defensiva de fazer inveja. Sofreu apenas sete gols até agora, enquanto o atual vice-líder Borussia Dortmund amargou 15.
"Leveza de ser"
Jochen Saier, diretor de esportes do Freiburg, até entende a euforia da torcida pela excepcional campanha do time, mas adverte: "Para colher bons frutos todo santo dia, estamos fazendo de tudo e mais alguma coisa. Colher bons frutos significa, antes de mais nada, nos mantermos na elite e evitar a todo custo o rebaixamento. Se nosso trabalho render algo mais, tanto melhor".
São palavras que refletem os valores tão valorizados pela cultura local: modéstia, humildade e com os pés no chão da realidade do dia a dia.
O próximo jogo do Freiburg será contra o Bayern na Allianz Arena de Munique. Christian Streich está tranquilo: "É bacana poder viajar para Munique com esta nossa atual leveza de ser".
A última vez que o time da Floresta Negra jogou na casa dos bávaros faltou pouco para uma boa surpresa. A partida estava empatada em 1 a 1 até os 30 minutos do segundo tempo. Foi quando Thomas Müller decidiu a parada e marcou o gol da vitória. Mas não foi moleza. Talvez seja por isso que Streich e seu time estão viajando de coração leve para a capital da Baviera.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.
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