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Futebol ditou cronograma de golpe militar no Chile

Martina Farmbauer (av)12 de setembro de 2013

Sem o sucesso do Colo-Colo na temporada de 1973, golpe chileno de 40 anos atrás teria ocorrido antes. Esporte e política em interação, uma história frequente: com El Salvador e Honduras, no Egito, ou na África com Pelé.

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Palácio presidencial de Santiago em chamas, 1973Foto: picture alliance/AP Photo

O jogador de futebol chileno Carlos Caszely gostaria de ter sido um rebelde, no bom sentido da palavra: alguém que se insurge contra a injustiça, a violência, a guerra em seu país e que, talvez, até seja capaz de trazer reconciliação.

Ele pode não ter chegado lá, mas segundo o autor Luis Urrutia O'Nell, com seu Colo-Colo, de Santiago, o esportista conseguiu nada menos do que adiar o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 no Chile. No início deste mês, o livro de Urrutia Colo-Colo 1973 – el equipo que retrasó el golpe (O time que retardou o golpe, em tradução livre) entrou na terceira edição.

O jornalista esportivo chileno defende uma tese ousada, em que a história do Colo-Colo 1973 é uma história do poder do futebol, o qual por vezes chega a ser maior do que o da política. Por isso, 40 atrás, os adeptos do presidente chileno de esquerda Salvador Allende afirmavam: "Enquanto o Colo-Colo ganhar, o 'Chicho' [apelido de Allende] está seguro".

Futebol como arma política

O time de Carlos Caszely empolgava as massas. Recordista nacional, ele chegou até a final da Copa Libertadores da América de 1973, passando por times brasileiros – façanha até então inédita para um clube chileno. Além disso, o Colo-Colo era um elemento de ligação num país, de resto, profundamente dividido entre a esquerda e direita política – na época, mais do que nunca.

Chile Fußball Logo von Fußballklub Colo Colo
Colo-Colo era elemento de ligação no Chile divididoFoto: picture-alliance/dpa

"Os consultores dos Estados Unidos, que, do ponto de vista estratégico, consideraram todo esse tumulto popular como um obstáculo para uma intervenção militar, acharam melhor deixá-la para um outro momento", revelou o autor Luis Urrutia, em conversa com a DW.

Apesar de ousada, sua tese é sustentada pelos fatos históricos. O Colo-Colo perdeu a final para o argentino Independiente de Avellaneda. Depois disso, o clube compôs grande parte da seleção nacional que venceu o Peru nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Uma semana mais tarde, os militares assumiam o poder no Chile.

Essa história não é única: o futebol já escreveu outras semelhantes, pelo mundo afora. Uma partida em que houve tumultos, resultando em mortes foi o que desencadeou a guerra entre El Salvador e Honduras – no contexto de uma disputa sobre refugiados econômicos.

O Santos, por sua vez, provocou um cessar-fogo temporário nas guerras civis da Nigéria e do Congo: os combatentes suspenderam as lutas para ver Pelé jogar e para que o "atleta do século" pudesse viajar sem impedimentos.

Mais recentemente, os torcedores do El Ahly, do Cairo, ajudaram a derrubar o presidente do Egito: a violência policial os forçara a se politizarem, fazendo com que apoiassem os revolucionários.

Até o golpe de 11 de setembro de 1973 no Chile, o Estádio Nacional, na capital Santiago, era o local onde o Colo-Colo celebrara vitórias inesquecíveis na Copa Libertadores: o 4 a 0 contra o Cerro Porteño, o 5 a 0 contra a Unión Española S.A.D.P., ou o 5 a 1 contra Sport Emelec.

O preço da ousadia

Certos momentos fazem parte da memória coletiva dos chilenos, como o gol de Caszely contra o Emelec. O craque abriu caminho pela metade do time equatoriano, enquanto os espectadores no estádio se levantavam, gritando: "Se pasó! Se pasó!" – um brado lembrado até hoje, no país.

Quando Caszely, atualmente com 63 anos, entra no estádio nacional, quatro décadas mais tarde, as épocas antes e depois do golpe se confundem em sua mente, o tempo bom e o tempo pavoroso. Pois os militares passaram a manter ali os presos políticos, torturaram e assassinaram muitos deles no presídio a céu aberto, que permitia juntar muitos. Entre eles, dois ex-jogadores de seleção: Hugo Lepe e Mario Moreno.

Caszely – o craque do futebol que queria ter sido rebelde e simpatizava com o governo Allende – pode não ter conseguido evitar tudo isso com os seus gols, mas pelo menos se recusou a apertar a mão do ditador Augusto Pinochet durante uma recepção. Contudo, teve que pagar caro pelo ato: mais tarde, os homens de Pinochet prenderam a mãe do jogador e a torturaram.

Chile Protest Erinnerung
Ativista lembram golpe militar contra Allende até hojeFoto: Sebastian Silva/AFP/Getty Images

"A Copa do Mundo de 1978, na Argentina ficou na lembrança como a Copa da ditadura", comenta o autor argentino Gustavo Veiga. "Também no Chile, as palavras 'futebol' e '1973' estarão para sempre associadas ao Estádio Nacional, cheio de presos políticos" – e não com as vitórias do Colo-Colo. O país continua dividido: entre vencedores e vencidos.

Passado não superado

Uma teoria de ciência política diz que a transição para a democracia ocorre ou através de uma ruptura ou de um pacto. E quando a democracia recém instituída se alia ao velho regime autoritário, pode ser que o passado não seja processado e superado. Assim, observa Luis Urrutia, "aquilo que foi varrido para debaixo do tapete vem à tona, sempre que há oportunidade". Feridas que não sararam, ou apenas superficialmente, voltam sempre a eclodir.

Foi o que aconteceu quando Augusto Pinochet foi nomeado senador vitalício, quando foi preso em Londres, quando morreu. E, naturalmente, é o que acontece no 40º aniversário do golpe de Estado por ele perpetrado.

Nunca os meios de comunicação chilenos noticiaram tanto sobre o golpe e sobre como o Colo-Colo forçou seu adiamento – nem no jubileu de dez anos, nem no de 20 ou 30.

Se o futebol não for visto como espelho da sociedade, mas sim como veículo para refletir sobre ela, então pode ser que o autor Luis Urrutia tenha razão ao afirmar: "Talvez ainda haja lixo debaixo do tapete. Talvez faltem respostas."