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'Aprendiz de forrozeiro'

30 de julho de 2010

Em entrevista à Deutsche Welle, cantor conta sua relação com público da Alemanha, onde é lembrado como ex-ministro da Cultura, e fala dos elementos europeus no forró, que facilitam sua assimilação pelo público europeu.

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Gil: 'Sou um artista do forró, depois vem o resto'Foto: Beti Niemeyer

Ele se diz "aprendiz de forrozeiro". O cantor e compositor Gilberto Gil, de 68 anos, está percorrendo cinco cidades da Alemanha e indo a outros países europeus para divulgar seu álbum Fé na Festa. O show é todo baseado no balanço do forró, gênero que, ao contrário do samba e da MPB, poucos conhecem fora do Brasil.

Gil retorna às raízes. Os ritmos nordestinos foram parte de sua infância no interior da Bahia e sempre estiveram presentes em sua multifacetada obra musical. Em sua atual turnê pela Europa, uma das maiores estrelas da música brasileira, com 52 álbuns lançados, se apresenta como mero "divulgador do forró".

Ele faz o público europeu dançar baião, xote e xaxado, explicando sempre, em inglês, entre uma música e outra, o significado de cada estilo e contando um pouco das tradições de festas juninas do interior do Brasil.

Em entrevista à Deutsche Welle, concedida pouco antes de subir ao palco em Berlim, o artista contou sua relação com o público da Alemanha, onde, dois anos após deixar o governo brasileiro, ainda é lembrado pela mídia como ministro da Cultura de Lula, e lembra que os elementos vindos da Europa podem fazer do forró uma dança mais conhecida no continente.

Deutsche Welle: Como é a experiência de estar na Europa fazendo um show exclusivamente de forró? Como é essa relação de Alemanha e Europa com o forró?

Gilberto Gil: É boa. A Europa não conhece muito bem esse gênero brasileiro. Conhece fragmentos dele, que estiveram sempre presentes na chamada MPB, na música de tantos artistas que alcançaram algum êxito na Europa. Mas os especialistas do forró, os artistas do Nordeste, os sanfoneiros, os forrozeiros propriamente ditos, nunca vieram trabalhar na Europa. Não é um gênero como o samba carioca, que é conhecido, a bossa nova, a MPB, que ficou conhecida na Europa.

O forró veio fragmentariamente, mas nunca através de discos, de uma turnê ou de uma presença mais forte junto ao público. Sou aprendiz de forrozeiro. Desde menino eu gosto do forró. Sempre separei certo espaço no meu trabalho para dedicar exclusivamente a isso. Fiz alguns discos ligados ao forró e decidi me tornar um divulgador desse gênero fora do Brasil, especialmente na Europa.

Uma das razões é que esse gênero tem muitos elementos europeus, de fácil identificação. Há traços tiroleses, célticos, escoceses e irlandeses nessa música. O público europeu, de certa forma, guarda elementos da sua tradição, do seu passado rural. Ele pode rapidamente se identificar com os elementos do forró.

O álbum Fé na Festa e essa turnê são exclusivamente de forró. Qual a importância do forró na sua vida, na sua infância?

É a música da infância, a primeira música, que deixou resíduos muito fortes na minha alma. E, ao mesmo tempo, é uma música que não se esgotou lá atrás. Poderia ter ficado na lembrança, esgotado no tempo. Mas não é assim, o forró permaneceu muito forte no país inteiro. Ele se desdobrou, influenciando a música sertaneja, mesmo a música pop, e artistas como Alceu Valença, Elba Ramalho, José Ramalho, Lenine e mesmo Caetano Veloso e Carlinhos Brown. É uma música que permanece muito forte na vida cultural e musical brasileira. E, no meu caso, ela vem de berço. E continuo aprendendo com o rei do baião, Luiz Gonzaga, e sou, antes de tudo, um artista do forró. Depois vem o resto.

Gilberto Gil Konzert
Em seus shows, Gil explica o forró e as festas juninasFoto: Beti Niemeyer

Como tem sido a receptividade do público europeu em relação ao forró? Há gente no público que pede para Gilberto Gil tocar um de seus sambas, por exemplo?

Às vezes isso acontece. Primeiro, porque há pessoas que não estão suficientemente informadas sobre a especificidade do repertório dessa turnê. Segundo, porque as pessoas também têm saudade. É natural que queiram canções conhecidas. Mas a receptividade do forró tem sido muito boa. Como a gente diz no Brasil, 'a turnê tem funcionado'.

A sua turnê percorre cinco cidades da Alemanha. Como está sendo essa passagem pelo país? Como é essa sua ligação com a Alemanha?

Fiz shows aqui em pelo menos 17 dos últimos 20 anos. A Alemanha se tornou um dos centros de consumo da música brasileira. Houve um crescente interesse da imprensa alemã com relação à música do Brasil, à cultura brasileira de um modo geral.

As questões sociais ajudaram muito nesse sentido. A Alemanha e os outros países da Europa acabaram se preocupando com a questão dos meninos de rua, da criminalidade na adolescência brasileira e essas coisas todas.

Com isso se interessaram cada vez mais pela cultura brasileira, especialmente pela cultura popular. E os setores sociais que têm essas dificuldades são também os que mais produzem essa cultura popular. Por exemplo, o samba do Rio de Janeiro, as manifestações da Bahia, de Pernambuco, todas essas coisas se tornaram atrativas para uma intelligentsia europeia, para a mídia e para os públicos europeus.

Na Alemanha é possível perceber também certa curiosidade especial pelo fato de o senhor ter sido ministro do governo Lula?

É, isso acontece até hoje. E já estou há dois anos fora do ministério, e o governo do Lula está terminando, mas isso ainda é tema. Acho que o governo do presidente Lula acabou marcando positivamente uma época na história do Brasil no mundo, ajudou no desenvolvimento da respeitabilidade do país no exterior, pelo fato de ele ser um operário e ter desenhado o seu governo em função de temas sociais importantes. O fato de eu ter sido associado ao governo dele acaba sendo um tema também para o jornalismo europeu e para o público.

Autor: Marcio Damasceno
Revisão: Roselaine Wandscheer