Goleada alemã também nas arquibancadas
4 de maio de 2015A Alemanha tem uma liga praticamente perfeita. Os estádios estão cheios, os serviços são de primeira, há qualidade no atendimento e nos produtos. Os clubes são organizados, com as contas em dia e capazes de formar equipes técnica e taticamente superiores à maioria das apresentadas pelas ligas de outros países. E tudo isso com ingressos acessíveis a ponto de atrair, em média, mais de 40 mil espectadores por jogo.
Do outro lado do globo está o Brasil, um formador e exportador de craques, mas incapaz de gerenciar seu futebol sem prejudicar justamente o maior interessado: o torcedor. O Campeonato Brasileiro tem os preços mais caros do planeta se for levada em consideração a renda da população. Isso se reflete na média de público, de pouco mais de 16 mil pessoas em 2014.
Segundo uma pesquisa da Pluri Consultoria, o preço médio de um ingresso inteiro e não promocional, nos estádios do Brasil, é de 51,74 reais (22,62 dólares). "A desvalorização do real melhorou um pouco esse quadro, mas nada que nos tire do posto de país com os ingressos mais caros do mundo, quando considerada a renda da população", enfatiza o economista Fernando Ferreira, diretor da consultoria.
A renda per capita de 11.208 dólares anuais permitiria ao torcedor brasileiro comprar até 495 bilhetes em um ano. Já no país da rica e bem administrada Bundesliga, o preço médio do ingresso é de 60,10 reais (26,28 dólares). Mas, com uma renda per capita de 45.085 dólares por ano, um alemão poderia adquirir até 1.716 entradas.
A primeira divisão alemã tem melhor média de público do mundo, com com quase 44 mil torcedores por jogo. Dos cem clubes do mundo que mais levam torcedores a estádios, 25 são da Alemanha.
Segundo estudo de 2014, o líder é o Borussia Dortmund, que tem média de público de 80 mil torcedores - 100% da capacidade de sua arena. O Campeonato Alemão tem, ainda, outros cinco times no top 10: Bayern de Munique (5º), Schalke (6º), Borussia Mönchengladbach (8º), Hertha Berlin (9º) e Hamburgo (10º).
Venda antecipada de toda temporada
Há questões quase culturais separando os dois países. Enquanto na Alemanha, abraçou-se o conceito de season ticket, ou seja, da compra de ingressos para a temporada inteira com descontos e promoções especiais para sócios, grande parte dos brasileiros ainda prefere escolher quais jogos quer acompanhar no estádio. Resultado: paga mais caro e vai a menos partidas. E as arenas novinhas estão semivazias.
Em terras alemãs, o torcedor que opta por comprar seu ingresso na porta do estádio tem boas chances de ficar do lado de fora. Se ainda houver ingressos, vai pagar mais caro. No caso do Borussia Dortmund, um season ticket para assistir aos 17 jogos da temporada 2014/2015 da Bundesliga em casa, em pé (na Südtribune, ou seja, na famosa Muralha Amarela), sai por 204 euros – são meros 12 euros por jogo, um dos pacotes mais baratos. Individualmente, cada ingresso custa 16 euros.
Essa estratégia garante ao clube um cliente fiel, que vai a todas as partidas. Como o torcedor já comprou o bilhete para toda a temporada, ele vai à partida de qualquer forma. No Brasil, quando o clube vai mal, o torcedor não comparece – ou comparece em menor número.
E o season ticket garante ao torcedor alemão que ele vai pagar menos para ver o clube do coração, além de ter sempre um lugar garantido no estádio. Para o consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi, que estuda o futebol alemão há pelo menos uma década, a venda antecipada de toda a temporada é uma das principais diferenças entre os dois países, gigantes quando o assunto é futebol.
"Na Alemanha, e em outros países, o preço só é proporcionalmente baixo por conta do season ticket. Isso é um fator decisivo para se ter uma média de público alta com preços baixos", explica Somoggi.
Ele lembra que a venda de ingressos gerou 470 milhões de euros em faturamento para a Bundesliga em 2014. Além disso, a presença assegurada dos torcedores gera uma receita adicional dentro do estádio, com a venda de comida, bebida e acessórios – e o lucro do clube está garantido.
"No Brasil, os clubes elevam os preços porque tentam passar para o consumidor o custo de um futebol inflacionado por salários irreais. É preciso pensar em escala: estádios cheios a um preço unitário de ingresso um pouco menor tendem a produzir arrecadação total maior. Além disso, geram outras oportunidades de receita", afirma Ferreira.
Há, porém, exceções interessantes no Brasil. Clubes como Internacional, Palmeiras, Corinthians e Grêmio ajudam a aumentar a média de público no Brasil. Esses são, justamente, os quatro com maior número de sócios. E, se não têm lucro garantido, ao menos contam com uma renda certeira no fim do mês. "São exemplos de clubes que têm todo um potencial pela frente: têm estádios e sócios e buscam ainda mais sócios", reforça Somoggi.
Gestão profissionalizada
Brasil e Alemanha têm, hoje, preocupações diferentes quando o assunto é futebol. Com um calendário preestabelecido há décadas, uma liga com quantidade de times definida e a consequente adesão do público ao espetáculo, os alemães desfrutam de uma funcionalidade maior, que gera mais comodidade ao torcedor e maior tranquilidade aos clubes para gerir os negócios.
O ingresso caro é só um fator que afasta os brasileiros dos estádios. Há ainda os horários ruins – com jogos que começam às 22h –, o transporte deficitário e a pouca qualidade dos serviços oferecidos nas arenas. Pesquisa do jornal Lance, com 7 mil entrevistados de todo o país, revelou que a insegurança e a violência das torcidas organizadas são os principais motivos para os brasileiros não irem aos estádios.
"Na Alemanha, a média de público alta com serviço de qualidade significa, para o torcedor, apenas uma boa salsicha e uma boa cerveja. Só isso. Você não precisa oferecer mais nada. Só que os clubes oferecem cada vez mais. No Brasil, com preços de ingressos na casa dos 200 reais, preço que um alemão paga para ver um jogo de Champions League, não há como encher o estádio", afirma Somoggi.
Para o especialista, é necessário profissionalizar cada vez mais a gestão dos clubes e campeonatos. "Acho que falta pouco se mudarmos as pessoas que gerem o futebol", opina.
Ele cita a Bundesliga para exemplificar como a gestão do futebol brasileiro poderia ser melhor: "O modelo de gestão da Bundesliga é perfeito. E a CBF, com os poderes que tem, poderia imitá-la, ou seja, ela própria fazer a regulação, a fiscalização e punir os clubes desportivamente, sem intervenção do Congresso ou que o governo precise criar quaisquer leis. A Bundesliga não precisa do governo alemão."
A opção radical de os clubes romperem com a CBF, com a criação de uma liga independente, como ocorreu em 1987, traria poucos resultados se não for acompanhada de uma troca de dirigentes. Na visão do especialista, o futebol brasileiro deveria contar com profissionais de mercado, remunerados, gerindo o esporte de forma técnica.
Ferreira não crê que as mudanças ocorram, no Brasil, com a velocidade desejada. "A Europa trata o futebol como uma grande operação de entretenimento oferecida a consumidores por empresas estruturadas: os clubes. No Brasil, temos um modelo de entidades associativas não profissionais que operam num ambiente não regulado. É garantia de ineficiência", comenta. "Estamos avançando, mas o mundo avança mais rapidamente do que nós."