Anistia acusa ataques à liberdade de expressão na pandemia
19 de outubro de 2021Um relatório da ONG de direitos humanos Anistia Internacional (AI) divulgado nesta terça-feira (19/10) afirma que regimes autoritários em todo o mundo usaram a pandemia de coronavírus para silenciar seus críticos e restringir a liberdade de expressão.
O documento, de 38 páginas e intitulado Silenciados e mal informados: Liberdade de expressão em perigo durante a covid-19, diz que houve restrições "sem precedentes" à liberdade de expressão desde o ano passado e que vidas podem até ter sido perdidas devido à falta de informações adequadas.
"Canais de comunicação foram alvejados, redes sociais foram censuradas, e meios de comunicação foram fechados", sublinha Rajat Khosla, diretor da AI para pesquisa, advocacia e políticas. "Em meio a uma pandemia, jornalistas e profissionais de saúde foram silenciados e presos. Como resultado, as pessoas não conseguiram acessar informações sobre a covid-19, incluindo como se proteger a si e a suas comunidades."
Ele ressalta que aproximadamente 5 milhões de pessoas perderam suas vidas para a covid-19, e que a falta de informações provavelmente foi um fator que contribuiu para isso.
Supressão de informações na China
O relatório destaca a supressão de informações sobre o coronavírus ocorrida na China. Já em dezembro de 2019, médicos e jornalistas cidadãos na cidade chinesa de Wuhan tentaram chamar a atenção para o surto da então desconhecida doença. Em vez de serem ouvidos, no entanto, eles foram processados pelo governo por suas ações, de acordo com a AI.
Em fevereiro de 2020, 5.511 pessoas que haviam publicado informações sobre o surto de covid-19 foram alvo de investigações criminais por "fabricação e disseminação deliberada de informações falsas e prejudiciais", de acordo com a Anistia.
Críticas ao Brasil
O Brasil é citado como um dos países cujos governantes disseminaram mensagens falsas, manipularam e minimizaram a pandemia – juntamente com EUA, México, China, Irã, Filipinas e Tanzânia. "Em muitos casos, a desinformação proporcionou uma oportunidade de ganhar capital político, semear divisão, reprimir dissidentes e transferir a culpa pelo despreparo e incompetência do governo em meio à pandemia".
O Brasil também é criticado pela AI por ser um dos países onde a aplicação de leis de transparência foi enfraquecida durante a pandemia, onde o acesso à informação foi dificultado pela alteração de leis de liberdade de informação e também por suspender a obrigação dos órgãos públicos de dar aos cidadãos o acesso às informações em seu poder. O documento se refere à Medida Provisória 928, que suspendeu temporariamente os prazos para resposta a pedidos realizados sob a Lei do Direito à Informação.
A Anistia também critica o Projeto de Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecido como "Lei das Fake News", que visa reprimir a disseminação de desinformação nas mídias sociais e em aplicativos de mensagens. A proposta já passou pelo Senado e aguarda aprovação da Câmara dos Deputados.
"Embora o projeto de lei tenha sido apresentado com intenção de reduzir a desinformação prejudicial que tem ocorrido no Brasil nos últimos anos, se aprovada, a lei poderá infligir mais danos ao direito à liberdade de expressão e à privacidade e pode excluir milhões de brasileiros do acesso aos serviços online, sem necessariamente resolver o problema que está tentando resolver. Por exemplo, o projeto de lei contém uma definição ambígua do que é considerado 'notícia falsa' e introduziria arbitrariedade sobre quais informações são consideradas falsas ou prejudiciais, podendo ser facilmente transformadas em armas pelas autoridades contra informações que lhes são incômodas".
A AI alerta que "o projeto de lei estimularia uma concentração do ambiente digital, impondo obrigações onerosas e sob medida aos provedores de aplicativos de internet, encorajaria censura e teria um efeito inibidor sobre a expressão online por meio da vigilância e da criminalização mais ampla do discurso".
Tanzânia, Nicarágua, Rússia
Segundo aponta a AI, o governo da Tanzânia, sob o ex-presidente John Magufuli, usou leis que proíbem e criminalizam "notícias falsas" e outras medidas para restringir a cobertura da mídia. Magufuli, que evitava as máscaras, morreu repentinamente em março, mas negou que o vírus estivesse circulando no país, alegando que ele havia sido expulso por meio de oração.
Na Nicarágua, autoridades usaram uma legislação de emergência contra crimes cibernéticos para punir qualquer pessoa que critique a resposta do governo ao vírus, segundo a AI. O governo do presidente Daniel Ortega rejeitou as acusações de falta de leitos hospitalares e aumento do número de casos e mortes.
A Anistia Internacional alerta que na Rússia, leis contra fake news e penalidades criminais em relação à covid-19 introduzidas no começo da pandemia provavelmente permanecerão em vigor assim que a pandemia acabar. A ONG diz que tais medidas são parte de um "ataque violento aos direitos humanos" em todo o mundo nos últimos anos, e pede que elas sejam suspensas imediatamente.
Papel das redes sociais
O relatório da ONG também critica as plataformas de mídia social por não fazerem o suficiente para impedir a disseminação de informações falsas e enganosas sobre o vírus. De acordo com a AI, isso fez com que passasse a ser cada vez mais difícil "que os indivíduos tenham uma opinião totalmente informada e façam escolhas informadas sobre sua saúde".
"Os Estados e as empresas de mídia social também devem garantir que o público tenha acesso irrestrito a informações precisas, baseadas em evidências e oportunas", afirma Khosla. "Este é um passo crucial para minimizar a hesitação em tomar a vacina causada pela desinformação."
md/lf (AFP, DPA)