Literatura x Mídia
12 de outubro de 2006O Nobel da Literatura Günter Grass entrou com uma ação cautelar na Justiça contra o diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), reagindo assim à publicação de documentos pessoais seus.
Em duas cartas dirigidas em 1969 e 1970 ao então ministro da Economia e das Finanças, Karl Schiller, Grass pedia que o político social-democrata revelasse seu envolvimento com o nazismo. Os documentos foram publicados no contexto da surpreendente revelação de Grass sobre sua participação na Waffen-SS, a polícia de elite do regime nazista, quando jovem.
Interesse público X direito de personalidade
Grass, que antecipou numa entrevista ao FAZ informações de sua recém-publicada biografia (Beim Häuten der Zwiebel, Descascando a Cebola, 2006), acusa o jornal de ter violado seus direitos de propriedade intelectual através da publicação de documentos pessoais.
O jornal, por sua vez, contra-argumenta que o interesse público na divulgação das cartas estaria acima dos direitos de personalidade do escritor. A publicação das cartas reforçou as acusações de que Grass sempre teria assumido o papel de "consciência da nação", apesar de ter silenciado durante décadas sobre sua própria conivência com o regime de Hitler.
Direitos autorais sobre cartas
O Tribunal Regional de Berlim explicou que "cartas normais de teor cotidiano" não são protegidas por direitos autorais. Porém, em se tratando de uma correspondência que "seja expressão de criação individual, o direito autoral pode ser aplicado".
Para tal, não precisa se tratar de textos de cunho literário: basta as cartas evidenciarem uma elaboração lingüística ou a abordagem de temas científicos, culturais, políticos e de outras questões que as distingam de cartas corriqueiras. Os juízes negam que haja interesse público que pudesse justificar a publicação parcial ou integral dos textos.
"Superar artisticamente"
Apesar de ter feito ao FAZ a revelação que daria grande impacto ao lançamento de sua biografia, Günter Grass se sente vítima do jornal. Ele acusa o editor-chefe, Frank Schirrmacher, de estar tentando difamá-lo como escritor, por causa da confissão tardia sobre sua participação na Waffen-SS.
Para Grass, o FAZ violou os bons costumes jornalísticos, misturando todos os fatos e inserindo suas cartas ao ministro Karl Schiller num contexto difamador. O Nobel da Literatura afirmou que pretende superar "artisticamente" toda a polêmica.
Schirrmacher declarou que o jornal não tem nada a temer numa contenda jurídica com Grass. "Não foi o FAZ que o forçou a ingressar na SS e não foi o FAZ que o incentivou a se calar durante décadas", declarou Schirrmacher à imprensa alemã.