Gratificação para policiais aumentou violência no Rio
8 de setembro de 2018Vítima de um atentado a faca durante passeata em Juiz de Fora (MG) na última quinta-feira (05/09), o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) tem reforçado durante sua campanha que, se eleito, pretende liberar o uso de armas de fogo pela sociedade civil. Além disso, alegou que policiais deveriam ser premiados por eventuais execuções durante operações.
"Nós temos que dar ao agente de segurança pública o excludente de ilicitude. Ele entra e resolve o problema. Se matar dez, 15 ou 20, com dez ou 30 tiros cada, ele tem que ser condecorado, e não processado", disse em entrevista ao Jornal Nacional.
Deputado Federal pelo Rio de Janeiro há 27 anos, Bolsonaro já estava na esfera pública quando seu estado adotou a prática de bonificar policiais militares e civis por bom desempenho no combate a criminosos, o que na prática foi um estímulo à letalidade policial.
Entre 1995 e 1998, o governador Marcello Alencar (PSDB) seguiu a cartilha do então secretário de Segurança Pública, o general da reserva e deputado federal Nilton Cerqueira Junior (PP-RJ), e instituiu o decreto estadual 21.753/1995, que estabeleceu o que ficou popularmente conhecido como "gratificação faroeste".
Iniciado em maio de 1995, o "pagamento por mérito" era concedido em percentual mínimo de 50% e máximo de 150% do valor total do salário nos vencimentos do servidor premiado. O bônus salarial era outorgado a servidores que participassem de operações policiais "demonstrando alto preparo profissional ao agirem com destemida coragem para alcançar o sucesso das missões", diz um decreto complementar da Secretaria de Estado de Fazenda e Planejamento do Rio de Janeiro (Silep), de fevereiro de 1998.
"O governo anterior, do Leonel Brizola (PDT), tinha uma gestão voltada aos direitos humanos e foi criticado por isso. Ao assumir, Marcello Alencar nomeou o general Cerqueira, que chefiou o assassinato do Carlos Lamarca na ditadura. A lógica da gratificação era a seguinte: como havia corrupção na polícia, eles acreditavam que se oferecessem dinheiro para o policial entrar em confronto, ele recusaria o dinheiro oriundo do crime organizado", afirma Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Salto na violência
Após a introdução da "gratificação faroeste", o tráfico de drogas não diminuiu, e os números da violência, incluindo o de policias mortos, aumentaram.
Um relatório produzido em 1997 pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), coordenado por Cano, mostra que em 1993, 456 pessoas haviam morrido em 656 episódios de intervenção policial. Entre janeiro de 1995 e julho de 1996, durante a administração de Cerqueira na Segurança Pública, 486 pessoas morreram em 536 episódios.
"Foi um período em que a eliminação de pessoas cresceu significativamente. Na visão do general Cerqueira, a polícia deveria atuar para cumprir a lei, e aqueles que resistissem à lei não deveriam viver na sociedade", afirma o professor Lenin Pires, coordenador do curso de segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Foi a partir do decreto de 1995 que os "Autos de Resistência", termo criado durante a ditadura militar no Brasil, passaram a constar de forma recorrente nos relatórios de justificativa dos policiais sobre mortes.
A expressão, que não existe no Código Penal, sugere que houve resistência durante abordagem policial, ou seja, que a morte durante o confronto ocorreu em legítima defesa do agente de segurança. Atualmente, o PL 4.471/2012, votado na Câmara dos Deputados no ano passado, visa a acabar com essa nomenclatura.
Nas análises dos dados, o relatório do ISER aponta que "como os policiais possuem um incentivo para apresentar confrontos, dado que isso pode implicar promoções e premiações econômicas, alguns policiais implicados em mortes estariam registrando estas agora como 'Autos de Resistência', enquanto antes os cadáveres eram simplesmente abandonados e não registrados".
Moradores de favelas como alvo
Na atual intervenção militar no Rio de Janeiro, iniciada em fevereiro, dados do Observatório da Intervenção divulgados em julho mostraram a diferença no número de mortes entre diversas regiões do estado, como Nova Iguaçu (159 mortes), Caxias (119), Copacabana (7) e Leblon (13). De modo semelhante, a ação policial há duas décadas também foi marcada pela violência em localidades específicas.
Entre janeiro de 1993 e julho de 1996, a polícia matou 430 opositores fora das favelas em 671 intervenções, e 512 opositores dentro das favelas em 523 ações. "As intervenções policiais nas favelas não apenas são muito numerosas, mas seguem um padrão diferente", aponta o relatório do ISER.
"Os mais atingidos são as vítimas tradicionais da violência letal: jovens, negros, de baixa escolaridade e moradores da periferia", afirma Cano.
"O Estado atua, muitas vezes, como instrumento de minorias autoritárias, que se autoproclamam maioria. O direito à justiça, por exemplo, passa a ser um instrumento de uma comunidade política que tem como premissa o controle da sociedade. Esse controle pode ser tanto por meio de normas como pela força", analisa Pires.
A premiação por atos de bravura foi encerrada em junho de 1998, por determinação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), após projeto apresentado pelo então deputado estadual Carlos Minc (PT). O texto do deputado alegava que premiações deveriam ser submetidas ao poder Legislativo.
Para Cano, o fato de Bolsonaro retomar o tema gera preocupação. "Essa proposta representa a crueza de que a solução se dá através do aumento da violência policial. Se essa fosse a solução de fato, o Rio de Janeiro já teria resolvido seus problemas há muito tempo" afirma.
"Se ele [Bolsonaro] for eleito, vai ter muita morte de civil, de policial, e não vamos resolver o problema da criminalidade", conclui.
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