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Guerra de estereótipos

(sv)9 de julho de 2003

Apesar da difundida "união européia", as relações entre os países no continente são permeadas por vários preconceitos. Jovens alemães acabam pagando o preço pela história do país, ao receberem, hoje, o selo de nazistas.

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Turistas alemães na costa italiana: arrogância e batatas fritas?Foto: AP

Na última semana, jornais populares alemães variaram suas chamadas entre "o caso italiano" e a manchete "alunos britânicos recebem professora de alemão com saudação nazista". O primeiro caso refere-se à recente performance do premiê italiano, Silvio Berlusconi, no Parlamento Europeu, ao sugerir que um deputado alemão "assumisse, em um filme, o papel de guarda nazista".

Além de remeter ao texto publicado há pouco pelo Secretário italiano de Turismo, Stefano Stefani, chamando os alemães de "loiros uniformes e supernacionalistas, que se lançam barulhentos sobre as praias italianas em competições de arrotos, após orgias de cerveja e batatas fritas, embriagados pela própria arrogância".

O incidente fez com que o premiê Gerhard Schröder cancelasse suas tradicionais férias, agendadas para fins de julho, em solo italiano. Além do chefe de governo, 9,7 milhões de alemães passaram suas férias na Itália em 2002, representando 40% do contingente de turistas estrangeiros no país.

Mais do que acaso -

O segundo episódio que virou notícia na Alemanha aconteceu pouco depois, quando uma professora foi recebida em Londres por quatro de seus alunos com o gesto usado para saudar Hitler durante o regime nazista.

Apesar da distância que separa a Inglaterra da Itália e escolares britânicos dos meandros do poder, o diretor da escola onde ocorreu o episódio, Chris Hollowood, acredita que o recente comentário de Berlusconi no Parlamento Europeu possa ter influenciado o comportamento dos estudantes: "Parece ser mais do que um acaso o fato de que as duas coisas aconteceram em menos de 24 horas", afirmou Hollowood.

Deutschlands Botschafter Thomas Matussek bei der Queen in London
Embaixador alemão no Reino Unido, Thomas Matussek, em visita à Rainha ElisabethFoto: AP

"Hitlerização da imagem alemã" -

Casos semelhantes já fazem quase parte do dia-a-dia de alemães no exterior. No último ano, o embaixador do país no Reino Unido, Thomas Matussek, deixou os eufemismos diplomáticos de lado e disparou contra a chamada "hitlerização" da imagem da Alemanha entre os britânicos, não apenas na mídia, mas principalmente nas salas de aula do país.

Se o preconceito entre os mais velhos está ancorado na memória de uma guerra real - que, do ponto de vista histórico, aconteceu ontem - os jovens britânicos muitas vezes desconhecem por completo o país que dizem abominar. Segundo a revista Focus, no Reino Unido, a xenofobia em relação aos alemães vem crescendo muito entre as camadas mais baixas da população, fazendo com que ataques a estudantes alemães em intercâmbio no país sejam registrados com freqüência cada vez maior.

Campanha entre adolescentes -

Frente a essa situação, o Instituto Goethe de Londres deu início à campanha Branding Germany, que, com a ajuda de especialistas britânicos em relações públicas, pretende introduzir a imagem de uma Alemanha moderna como nova tendência entre os adolescentes. O tenista Boris Becker, a modelo Claudia Schiffer e o goleiro Oliver Kahn devem servir de garotos-propaganda. O problema, segundo apontou uma pesquisa recente, é que 64% da população nunca ouviu falar em nenhum dos três.

Caóticos & pedantes -

Se a ponte cultural teuto-britânica balança dessa forma, o que não dizer então das desavenças que vêm povoando as relações entre alemães e italianos na última semana. "Esses dois povos vêem-se, desde sempre, como estranhos", sentencia no diário Süddeutsche Zeitung o escritor Robert Gernhardt, alemão que vive há muito na Itália. Enquanto os italianos continuam sendo vistos pelos alemães como teatrais em excesso, pouco confiáveis e caóticos demais, os "tedeschi", sob os olhos italianos, são vistos como pedantes, sem classe e mal-humorados.

Espaguete ao revólver -

Esses deslizes do inconsciente coletivo, no entanto, têm raízes históricas. Unidas há não faz muito tempo sob as estrelas da União Européia, Alemanha e Itália conservam uma tradição de desavenças. Se a recente manchete do maior semanário alemão - Der Spiegel - chamando Berlusconi de "poderoso chefão" deixou italianos de cabelo em pé, não foi a primeira vez.

Em 1977, em uma analogia à conduta do governo do país frente ao terrorismo, o mesmo Der Spiegel já havia trazido na capa a foto de um revólver sobre um prato de espaguete. "Isso marcou profundamente a memória coletiva dos italianos e volta sempre à tona, toda vez que eles recebem algum tipo de crítica vinda do outro lado dos Alpes", aponta o Süddeutsche Zeitung.

Guerreiros e bárbaros -

Outro ponto crítico nas relações entre os dois países teria sido o desinteresse dos alemães, até os anos 80, pelo trauma dos italianos em relação à ocupação nazista no país entre 1943 e 1945. Enzo Collotti, historiador e conhecedor da Alemanha, comenta no mesmo diário que "as duas guerras mundiais criaram na consciência dos italianos um estereótipo dos alemães como guerreiros, que, dependendo da situação, aparecem como opressores, matadores, bárbaros".

O que certamente não justifica que um premiê na função de presidente do Conselho Europeu ou um Secretário de Turismo façam uso de tais estereótipos durante o exercício de suas funções públicas. Será que a esperança de uma Europa unida, como anseiam políticos e uma elite cultural, só pode vir a ser atingida graças a uma passada de borracha na memória?

Como ironiza Trevor Kavanagh, editor de política do diário popular The Sun, citado pela revista Focus, "nós, ingleses, nos tornaremos brevemente tão ignorantes, que nem vamos mais saber onde fica a Alemanha. Aí vocês podem ficar satisfeitos". Só aí, sim, adeus estereótipos?