1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Guerra na Ucrânia ameaça metas climáticas globais

Stuart Braun
23 de junho de 2022

As gigantescas emissões carbônicas dos conflitos armados em geral permanecem ocultas. Cúpula do G7 poderá mudar esse quadro, ao examinar os impactos climáticos da guerra na Ucrânia, movida pelo petróleo e gás da Rússia.

https://p.dw.com/p/4D93w
Soldado em pé sobre tanque de guerra destruído
Atividades bélicas produzem emissões carbônicas diretas e indiretasFoto: Genya Savilov/AFP/Getty Images

É sabido que a invasão russa em curso na Ucrânia semeia miséria, morte e destruição. Menos divulgados, porém, são seus impactos de longo alcance sobre o clima. Os bilhões de dólares em armas, jatos, tanques e caminhões que movimentam o conflito avassalador contribuem com emissões carbônicas diretas difíceis de quantificar e que não estão previstas na meta de manter o aquecimento global em 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais.

Contudo, ao desencadear uma crise global de energia, essa guerra também representa uma ameaça indireta às metas do Acordo de Paris. Ela expôs a dependência do mundo do petróleo e gás, a qual também financia a máquina bélica da Rússia. E, em sua ânsia de buscar alternativas, muitas nações ocidentais lançam mão de fontes de energia ainda mais poluentes.

Em vez de acelerar a transição para as fontes renováveis, a União Europeia (UE), por exemplo, planeja substituir parte do gás russo com "gás da liberdade" americano, obtido por fraturamento e alto emissor de CO2. Há temores de uma fixação ainda maior nos combustíveis fósseis, num momento em que países como a Alemanha consideram reabrir suas minas de carvão para fazer frente à crise energética.

Pegada carbônica oculta da atividade militar

A caminho da cúpula do G7, neste domingo (26/06), na Alemanha, os líderes mundiais terão que finalmente se confrontar com o impacto da guerra na Ucrânia sobre o clima, afirma Axel Michaelowa, cofundador da consultoria climática Perspectives Climate Group.

"Agora o G7 está se ocupando dos impactos indiretos, relacionados ao clima, que tornam mais difícil para o grupo alcançar as metas climáticas do Acordo de Paris", comenta. Ele é o principal autor de um relatório publicado durante a conferência do clima de Bonn, encerrada em 16 de junho, no qual se enfatiza a necessidade de melhor documentar e prestar contas das emissões militares e provenientes de conflitos.

O documento mostra que só se conhece em parte o volume de gases-estufa gerados por operações militares em tempos de paz, e que ninguém se responsabiliza por eles, no contexto das metas climáticas das Nações Unidas. "Já que as emissões militares podem chegar e centenas de milhões de toneladas de CO2 por ano", as nações precisam "abordar com mais transparência" os impactos diretos e indiretos da guerra, reivindica Michaelowa.

Uma sugestão é incluir todas as emissões militares num "inventário global" de gases do efeito estufa, a ser finalizado na conferência do clima COP28, de novembro de 2023. Outra é a Convenção-Quadro da ONU sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), que gere as metas climáticas globais, passar a monitorar remotamente a "destruição de alta intensidade", durante as guerras, de reservatórios de carbono como depósitos de combustível, cidades e florestas.

Emissões maciças, dos combates à reconstrução

Embora há décadas militares de todo o mundo alertem que uma crise climática crescente possa ser o principal estopim de um conflito futuro, eles pouco fizeram para examinar seu próprio papel em agravar o aquecimento global com a queima de combustíveis fósseis.

As Forças Armadas da União Europeia, as segundas maiores do mundo, só registram algumas emissões por questões de segurança nacional. As indiretas, geradas pela fabricação de equipamento e armas militares, por exemplo, não são incluídas.

Segundo um relatório de 2021 da ONG Conflict and Environment Observatory (CEOBS), sediada no Reino Unido, as emissões militares do país são pelo menos três vezes superiores aos 11 milhões de toneladas de CO2 registrados em 2018.

Já as emissões anuais das maiores Forças Armadas do mundo, as dos Estados Unidos, se devidamente aferidas, são superiores ao total da Suécia ou da Dinamarca. Tendo emitido cerca de 23,5 milhões de toneladas em 2017, a máquina de guerra americana é considerada a maior consumidora institucional de combustíveis fósseis do planeta.

Segundo uma estimativa, o incêndio de milhares de poços de petróleo na guerra do Golfo Pérsico de 1991 produziram de 2% a 3% das emissões globais. Apesar disso, os governos mostraram pouco interesse em coibir emissões militares de tamanho porte.

Nos últimos tempos, esse quadro começou a mudar: a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) urge seus Estados-membros a alcançarem a neutralidade climática até o ano 2050. Segundo relatório recente do CEOBS, para tal será essencial computar todas as emissões diretas e indiretas, de modo regular e transparente, inclusive as resultantes da reconstrução pós-guerra.

Michaelowa dá um exemplo: as emissões carbônicas necessárias para reconstruir as cidades destruídas na guerra da Síria equivalem à produção anual de gases-estufa da Suíça.

Homens e crianças passam por área urbana destroçada
Reconstruir uma cidade como Aleppo, na Síria, envolverá grande volume de CO2 Foto: Ameer Alhalbi/Getty Images/AFP

Paz através de transparência climática?

A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia consolidou a conscientização crescente sobre emissões militares. "É a primeira vez que a mídia me pergunta sobre o impacto climático da guerra", comenta Doug Weir, diretor de pesquisa do CEOBS, referindo-se ao modo como o conflito expôs a "insegurança energética" e a dependência de combustíveis fósseis.

Ele acrescenta que os orçamentos militares também costumam se concentrar em garantir suprimentos de combustíveis fósseis, inclusive na Líbia, onde uma década de conflito reduziu dramaticamente a produção de petróleo. Segundo o Greenpeace, entre 2018 e 2021 Itália, Espanha e Alemanha investiram mais de 4 bilhões de euros em missões visando preservar o abastecimento de petróleo e gás natural.

Segundo o pesquisador e especialista em emissões militares Stuart Parkinson, da organização britânica Scientists for Global Responsibility, todo gasto militar está ligado a combustíveis fósseis, inclusive na Ucrânia. Juntamente com a Rússia, antes da guerra o país era responsável por 3,5% do total de 2,1 trilhões de dólares dos gastos militares do mundo. Desde a invasão iniciada em 24 de fevereiro, contudo, Kiev já recebeu 19 bilhões de dólares em ajuda militar só dos EUA.

Parkinson acrescenta que pelo menos oito membros da Otan planejam aumentar seus orçamentos militares devido ao conflito – a Alemanha anunciou um incremento de 100 bilhões de euros –, o que "afetará a pegada carbônica militar total, além das maciças emissões da própria guerra".

Embora a noção de guerra por petróleo não seja nova, a mudança climática acrescenta uma nova dimensão à conexão entre Forças Armadas e combustíveis fósseis. Se a responsabilização compulsória por emissões militares ameaçar a capacidade de um país de alcançar suas metas climáticas, "isso poderá ter um efeito dissuasivo sobre a agressão", acredita Axel Michaelowa.

A lógica é que a ação visando limitar o aquecimento global exigirá uma transição energética total para as fontes renováveis, resultando em menores lucros com a exportação de combustíveis fósseis que possam ser reinvestidos em grandes máquinas bélicas: "Se tivermos um mundo construído sobre energia renovável, descentralizada, haverá menos verbas para quem quer invadir seus vizinhos", conclui o consultor para o clima.