Günter Grass usa poesia para interferir em debates públicos
9 de junho de 2012O Prêmio Nobel alemão da Literatura Günter Grass não se cansa de interferir em discussões públicas com seus posicionamentos sobre eventos políticos e sociais. Por vezes diretamente – em entrevistas –, por outras indiretamente – com poesia. Com frequência, o autor aborda temas considerados tabu por muito leitores, o que muitas vezes desencadeia controvérsias acaloradas.
Quais são seus motivos? Trata-se de confusos comentários de um escritor ancião – como zombam certos cronistas – ou das reflexões "perfeitamente normais" de um autor celebrado? Quem responde é Volker Neuhaus, editor das obras de Günter Grass na Alemanha. No momento, ele redige uma abrangente biografia do autor de O tambor, a ser lançada no segundo semestre de 2012.
Deutsche Welle: O senhor edita as obras de Günter Grass há muitos anos e conhece o Prêmio Nobel muito bem. Como vê a agitação midiática em torno dos dois poemas sobre temas atuais da política?
Volker Neuhaus: Como algo muito peculiar. A coisa mais estranha de todas é que depois do segundo poema [sobre a Grécia, publicado no final de maio pelo jornal Süddeutsche Zeitung], perguntou-se: "Por que ele faz isso?" Acho que jamais ninguém perguntou, a respeito de nenhum poeta do mundo, por que ele publica poemas. Grass encontra-se agora na feliz posição de poder publicar suas poesias em lugares muito visíveis. Ele é poeta de profissão e publica seus poemas. Pode-se discutir sobre o conteúdo, como já acontece. Mas dessa maneira, é muito, muito peculiar.
Olhando por trás dos bastidores: como se explica tamanha agitação?
Pelo fato de Grass assumir uma posição absolutamente extraordinária. Tenta-se sempre privá-lo dessa posição, o que não é possível. Não há como tirar o carro oficial de Grass, sua pensão vitalícia ou seu escritório. Tudo isso ele conquistou por seus próprios méritos. Agora fica-se dizendo que ele deveria devolver o Prêmio Nobel, que é a única coisa que ele pode fazer... Ou devolver o título de membro honorário do PEN Clube. Grass é o raro exemplo de um homem totalmente independente, porém famoso. E tudo por seu próprio mérito, ele não precisa levar ninguém em consideração. Por isso, às vezes ele entra em atrito.
E ele tem, então, "inimigos" muito especiais no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung. A situação escalou nos últimos anos. O que o senhor supõe que esteja por trás disso?
Não sei. É o que chamam de debunking: tirar uma personalidade do pedestal, tornando-a pequena e manipulável. Grass atingiu uma grandeza que, a rigor, é inatacável. O ódio do FAZ contra Grass só pode ser hereditário. Não há como explicar de outra maneira, já que esse ódio passa de um editor do caderno de literatura para outro, sempre massacrando Grass. Apesar de todas as diferenças de geração, estão sempre atacando Grass. Tudo isso é bem peculiar.
Voltemos para o homem e escritor Günter Grass. Certa vez, um crítico escreveu: ele pertence à tradição europeia da discutibilidade esclarecida do humanismo, ele é alguém que interfere. O senhor também vê a questão assim?
Sim, é uma bela forma de expressar o que ocorre. Grass faz uso de sua projeção pública, a fim de atrair atenção para sua própria opinião – como todos fazemos. As pessoas vão à mesa do bar que frequentam para proclamar suas opiniões. Só que aí quem escuta são os "amigos de bar". Grass está em condições de articular sua opinião de modo que ela seja ouvida. O primeiro poema [sobre Israel] deveria ter sido publicado no jornal Die Zeit, mas os editores disseram "não". No mesmo dia, o Süddeutsche Zeitung o publicou. Foi um golpe de sorte para Grass.
Há basicamente duas acusações contra o escritor. Uma se volta contra os argumentos objetivos. Um jornal escreveu: "As justificativas de Grass não coincidem, nem de longe, com as opiniões correntes e difundidas pela discussão científica especializada ou pelo debate jornalístico". Sugere-se, desta forma, que ele não tenha entendido nada sobre o conflito entre Israel e o Irã...
Isso tem origem num mal-entendido. Estou plenamente convencido de que as primeiras duas estrofes do poema sobre Israel não são absolutamente contra o país. O nome "Israel" só aparece na terceira estrofe. As duas primeiras estrofes se voltam claramente na direção dos Estados Unidos, onde houve especulações táticas sobre a condutibilidade das guerras atômicas. Grass refere-se a isso. Israel exercce aí só o papel de ser o contrapeso do Irã. Trata-se das duas potências atômicas do Oriente Médio. Contudo, o ponto decisivo é que Grass está em condições de defender a própria opinião, e ela é muito fundamentada e decidida. Ele é muito bem informado e estaria em condições de enfrentar qualquer discussão. Afinal, ele participa de discussões públicas. Na verdade, ele é alguém extraordinariamente bem informado.
A segunda acusação é no sentido de uma "falta de qualidade poética". O que remete à questão: será que tais poemas são a forma adequada para uma expressão de opinião desse gênero?
Um poema é tudo aquilo que é impresso como poema. Uma colega minha de trabalho já provou que o [primeiro] poema de Grass é concebido de forma francamente rítmica. Num debate público, na cidade de Osnabrück, nós concordamos – é também o adversário no pódio – que se Grass tivesse dito a mesma coisa numa entrevista, em vez de em versos, suas palavras não teriam tido o mesmo efeito.
Um poema tem algo de estatuário, algo de completo, apodíctico, monumental. Primeiro, ele fez isso na poesia sobre o tema EUA-Israel-Irã. E depois de novo – o que se pode chamar de sofisticado. Ele escreveu um poema belíssimo, hínico, que também em seu conteúdo se aplicava ao tema da Grécia e se situava na tradição de Hölderlin, com saltos e meandros solenes. Justamente sobre o tema Grécia! Ou seja, Grass sabe tocar o teclado da poesia, no qual já toca há mais de 60 anos. Isso é perceptível.
Depois do primeiro poema, muita gente observou que Grass tinha o povo a seu lado – como demonstraram as muitas e muitas cartas de leitores. Os argumentos eram no sentido: "Eis aqui alguém que representa a opinião da maioria" – em oposição à dos caderno de cultura. No caso do poema sobre a Grécia, não se pode dizer a mesma coisa...
Sim, ele apontou que está realmente na hora de se lembrar das raízes dos valores comuns e de que a União Europeia não é apenas um mercado comum, mas se situa na tradição da sociedade de valores ocidentais.
Entrevista: Jochen Kürten (av)
Revisão: Soraia Vilela