Herói da Copa de 2014, Götze encara crepúsculo prematuro
26 de maio de 2020Eram decorridos pouco mais de 20 minutos da segunda etapa da partida contra o Wolfsburg quando Lucien Favre, técnico do Dortmund, decidiu mandar alguns jogadores do banco de reservas para o aquecimento à beira do gramado diante arquibancadas vazias. Mario Götze foi um deles. Na atual temporada da Bundesliga, o autor do gol da vitória sobre a Argentina na final da Copa de 2014 atuou em apenas 14 partidas, num total de 504 minutos, e foi titular numa única oportunidade – contra o Freiburg na sétima rodada. Nos outros 13 jogos, na maioria das vezes, só entrou em campo ao apagar das luzes.
Enquanto corria de um lado para o outro, se aquecendo para uma eventual entrada em campo, o que não terá passado na cabeça de Götze? Afinal, no começo da atual década, ele era tido e havido como um dos maiores talentos já surgidos na história recente do futebol alemão.
Matthias Sammer, assessor da diretoria do Borussia Dortmund, já em 2010 vaticinava: "É um dos maiores talentos que vi jogar. É veloz, criativo e inteligente. Pode ser aproveitado em qualquer posição do meio-campo ofensivo, além de jogar como falso nove. No ataque, ele é completo."
Felix Magath, ex-técnico de diversos times alemães, entre os quais o Wolfsburg, time com o qual foi campeão em 2009, não deixou por menos: "É o talento do século."
Os bons augúrios de técnicos e dirigentes acabaram por não se concretizar. Apenas Jürgen Klopp, quando treinador do Dortmund, soube explorar o potencial emergente de Götze, que, coincidência ou não, viu sua carreira surgir para o mundo do futebol justamente sob o comando do carismático técnico, hoje no Liverpool.
Em maio de 2013, com 21 anos, Götze deixou o Dortmund para vestir a camisa do Bayern, porque queria muito trabalhar com seu ídolo Pep Guardiola. Foi uma decisão da qual iria se arrepender anos mais tarde. No projeto do catalão, Götze era apenas segunda opção. Mesmo com Joachim Löw, durante a Copa de 2014, o jovem talento não conseguiu se estabelecer no time titular da Alemanha, mas acabou sendo o herói do tetra pelo gol do título, que marcou contra a Argentina.
No Bayern, o sucessor de Guardiola, o italiano Carlo Ancelotti também não soube muito bem o que fazer com o jovem talento e lhe sugeriu voltar às origens, o Borussia Dortmund. Dito e feito. Em 2016, Götze voltou a vestir a camisa aurinegra, dessa vez sob o comando de Thomas Tuchel, sucessor de Klopp.
Um ano mais tarde, o jogador recebeu um diagnóstico que representaria um sério revés em sua trajetória. Foi constatada uma miopatia, doença muscular decorrente de distúrbios metabólicos do organismo. Ficou mais de um ano sem jogar, voltando ao time apenas em 2018, com Lucien Favre no comando técnico.
O treinador suíço não esconde de ninguém que Götze não estava mais nos seus planos e, na semana passada, abriu o jogo: "Na situação atual jogamos no sistema 3-4-3, e eu lhe disse claramente que esse não é o sistema ideal para um jogador como ele. Tem horas que é preciso dizer a verdade."
Fato é que no meio-campo ofensivo, tanto pelo lado esquerdo quanto pelo lado direito, onde por sinal, Götze começou sua carreira sob direção de Klopp, há talentos de sobra. Basta lembrar de Thorgan Hazard, Jadon Sancho, Giovanni Reyna e Marco Reus. Não há mais lugar para o herói campeão mundial de 2014.
A partida entre Wolfsburg e Dortmund se aproximava do seu final. Favre fez cinco alterações na equipe e não chamou Götze para ao menos jogar alguns minutos. O herói deixado de lado voltava ao seu lugar no local determinado para os reservas, balançou a cabeça e viu a sua história no Borussia Dortmund chegando ao fim pela segunda vez.
Michael Zorc, diretor de esportes do clube aurinegro, colocou os pingos nos Is em entrevista ao canal de TV Sky: "Nós concordamos que não daremos mais continuidade à nossa colaboração mútua uma vez encerrada a temporada. Encontramo-nos numa situação que não é satisfatória para nenhum dos lados envolvidos."
Trocando em miúdos: não haverá renovação de contrato, e Götze pode procurar outro clube.
Lothar Matthäeus, campeão mundial em 1990, sugeriu o Hertha Berlim: "Se o Mario ficar na Alemanha, o Hertha pode ser uma boa. O técnico Bruno Labadia é um especialista em injetar autoconfiança nos jogadores, e acho que é exatamente disso que o herói da Copa de 2014 está precisando para reencontrar seu melhor futebol."
Götze tem apenas 27 anos e certamente não desaprendeu a jogar futebol. Ele precisa encontrar um time onde suas qualidades de refinada técnica no trato da bola, sua inteligência na leitura do jogo e sua capacidade de encontrar espaços vazios sejam valorizadas e se encaixem na forma de jogar da equipe. Caso encontre, o crepúsculo prematuro desse talentoso profissional será adiado, pelo menos por enquanto.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no Twitter, Facebook e no site Bundesliga.com.br
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