Fotomontagem
26 de agosto de 2008Enquanto o trabalho do artista gráfico alemão John Heartfield já é, há muito, conhecido do grande público, a identidade do dinamarquês Jacob Kjeldgaard só foi descoberta nos anos 70, quando se encontrou parte de seu acervo por acaso, num mercado de pulgas parisiense.
Com a exposição sobre fotomontagem política do início do século 20 – Hitler cego, Stalin aleijado – o Museu Ludwig de Colônia presta agora homenagem aos dois artistas críticos do regime de Hitler e mostra, pela primeira vez na Alemanha, na íntegra, a obra ainda existente do dinamarquês Marinus.
Instrumento de agitação de massa
No espírito dadaísta, o pintor George Grosz e o artista gráfico John Heartfield inventaram a técnica de fotomontagem num dia de maio de 1916. Segundo o próprio Grosz, os artistas alemães não imaginavam, na época, as possibilidades que a técnica desenvolvida para escapar da censura ofereceria.
Com o passar do tempo, sua instrumentalização para a agitação de massa foi uma das correntes seguidas pela técnica que até hoje perdura. Neste contexto, o berlinense John Heartfield, aliás, Helmut Herzfeld, foi um dos seus principais representantes. Em protesto contra o nacionalismo germânico, Herzfeld anglicizou seu nome durante a Primeira Guerra.
Durantes as décadas de 1920 e 1930, o trabalho do comunista Heartfield inspirou a obra crítica e satírica de outros artistas gráficos, entre eles, o dinamarquês Jacob Kjeldgaard, que sob o pseudônimo de Marinus desenvolveu mais de 250 fotomontagens para a revista francesa Marianne, entre 1932 e 1940.
Hitler como pintor de paredes, Stalin como Mona Lisa e Franco na corda bamba. Com agudez visionária, Marinus e Heartfield satirizaram os acontecimentos da época, as pretensões bélicas nazistas e a passividade das potências ocidentais perante os fatos que estavam a acontecer.
Confisco, superposição, fragmentação e alegoria
Os dadaístas inventaram a poesia simultânea, estática e puramente fonética. A fotomontagem pode então ser compreendida como a representação pictórica de sua atitude poética. Embora o engajamento político tenha sido declarado culpado pelo fim da fotomontagem como forma de expressão artística, a fotomontagem política continua sendo um dos principais motivos de sua existência. Sua produção é caracterizada pelo confisco, superposição, fragmentação e pela alegoria.
Neste contexto, a fotomontagem que deu título a exposição Hitler cego, Stalin aleijado se aproveita de uma obra do escultor Jean Turcan para ilustrar a parábola do cego e do aleijado: "Se um cego guia outro cego, eles cairão num buraco. Se um aleijado quer ajudar outro aleijado, eles não irão a lugar nenhum. Mas se um cego carrega um aleijado, então eles vão para frente."
Na fotomontagem de 1940, Marinus mostrou um Stalin aleijado carregado por um Hitler cego e comentou, desta forma, o pacto de não-agressão assinado entre os dois ditadores. Em seus trabalhos, o perfeccionista Marinus fez referências constantes a conhecidas obras de arte: a ópera Tristão e Isolda de Richard Wagner, obras de Da Vinci, Breughel, Delacroix, Rodin e a filmes como Ben Hur.
Membro do Partido Comunista Alemão
Para exemplificar a influência que a obra de John Heartfield exerceu sobre a de Marinus, como também as semelhanças e diferenças temáticas dos trabalhos dos dois artistas, a segunda parte da exposição mostra diversas fotomontagens que Heartfield fez para a revista AIZ (Arbeiter Illustrierte Zeitung – Revista ilustrada do trabalhador).
A partir de 1930, Heartfield passou a trabalhar constantemente para a revista. Uma das mais famosas fotomontagens da época é "Milhões me apóiam" que mostra Hitler como marionete dos capitalistas industriais.
Heartfield tornou-se membro do Partido Comunista Alemão desde que este foi fundado, em 31 de dezembro de 1918. Trabalhou para a AIZ e também para a revista de Kurt Tucholsky, Deutschland, Deutschland über alles (Alemanha, Alemanha, acima de tudo).
Devido à perseguição nazista, exilou-se primeiramente na República Tcheca e, em 1938, fugiu para o Reino Unido. Em 1950, voltou à Alemanha, onde passou a viver na então República Democrática Alemã. Morreu em 1968, aos 76 anos de idade, na antiga Berlim Oriental.
Marinus e Heartfield
Principalmente nos trabalhos sobre o mesmo tema, a comparação entre Heartfield e Marinus torna-se interessante. Em Drahtseilakt (Na corda bamba), Heartfield mostra os protagonistas do Terceiro Reich Goebbels e Göring guiados por Hitler balançando na corda bamba, em frente a uma cortina com a suástica – ou seja, uma situação de perigo.
Embora Heartfield tenha feito grande exposição de sua obra em Paris, em 1935, não se pode provar que os dois artistas se conheceram pessoalmente. Sua obra influenciou certamente a de Marinus. Cinco anos mais tarde, por exemplo, Marinus tratou a mesma temática da "corda bamba".
Os mesmos atores estão, no entanto, sobre uma corda quase arrebentada. Após a invasão da Polônia, Marinus retratou a queda do regime nazista como inevitável. No mesmo ano, Hitler ocupou Paris e fechou todas as revistas de orientação de esquerda.
Enquanto o trabalho de Heartfield é mais condensado simbolicamente, apelando para a alegoria e se aproximando da técnica do cartaz, as fotomontagens de Marinus são mais complexas e mais cheias de referências. Outra importante diferença foi o fato de o comunista Heartfield nunca ter criticado ou satirizado Stalin em suas fotomontagens.
Marinus, por seu lado, não poupou ninguém. O fato de sempre ter trabalhado sob pseudônimo o livrou de ser deportado para um campo de concentração. Esquecido e doente, ele morreu na capital francesa em 1964. Aos esforços do historiador dinamarquês Gunner Byskov, que a partir dos anos 90, passou a pesquisar sobre a vida de Marinus, deve-se também a atual exposição.
A mostra Hitler cego, Stalin aleijado – Marinus e Heartfield – Fotomontagem Política dos anos de 1930 estará aberta até 19 de outubro de 2008 no Museu Ludwig em Colônia.