"Houve uma tortura psicológica", afirma David Miranda
21 de agosto de 2013Desde que foi detido e interrogado durante 11 horas no aeroporto de Heathrow, na noite de domingo (18/08) para segunda-feira, o brasileiro David Miranda, companheiro do jornalista britânico Glenn Greenwald, foi alçado ao centro de um dos maiores imbróglios diplomáticos da atualidade.
Seu companheiro foi responsável por revelar os documentos secretos vazados pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden, que tornaram pública a megarrede de espionagem online americana. Por isso, Miranda escolhe cuidadosamente as entrevistas e, sempre com um olho no celular, administra com cuidado suas próximas ações.
Em entrevista à DW no Rio de Janeiro, onde mora com Greenwald, ele conta como foi submetido a uma tortura psicológica numa sala do aeroporto londrino, com referências inclusive a Guantánamo. Ele considerou a resposta do governo brasileiro boa pelo imediatismo, porém branda demais no conteúdo.
"Espero que o governo do nosso país tenha uma atitude para que isso não se repita com nenhum brasileiro", afirmou.
DW: Quando você foi retido no aeroporto de Heathrow, em Londres, estava voltando de Berlim. O que você estava fazendo lá?
David Miranda: Eu tinha mais uma semana de férias e me encontrei com minha amiga Laura [Poitras, cineasta]. Pude ficar uns dias na casa dela, ainda não conhecia Berlim.
Você viu o filme dela? Qual é o conteúdo?
Sim. Ela está fazendo um documentário sobre as histórias da NSA [Agência de Segurança Nacional americana], sobre tudo isso. Levei para ela uma gravação que foi feita no Senado aqui, quando Glenn foi testemunhar sobre o caso.
Então o material não foi confiscado?
Não.
Você viu a estrutura do documentário?
Não tenho informação para poder falar sobre isso – ainda não está pronto, não posso falar sobre isso.
A volta por Londres estava prevista?
Sim.
Em algum momento imaginou que poderia ser detido em Londres?
Não exatamente. Eu não tinha receio, porque várias pessoas que trabalham com a história da NSA nesses últimos dois ou três meses passaram por Londres, vieram para o Brasil, foram para Nova York, passando por Londres, e nunca foram barradas. Acho que é porque era um brasileiro que estava passando e eles acharam que poderiam fazer qualquer coisa com o brasileiro.
Isso abala sua crença na democracia?
Os Estados Unidos e a Inglaterra ainda têm uma mentalidade de que podem nos controlar aqui na América do Sul. Uma espécie de imperialismo. Como quando o avião daquele presidente [da Bolívia, Evo Morales] foi forçado a descer [em Viena]. E a mesma coisa fizeram comigo, quando me detiveram por 11 horas – nove horas dentro daquela sala e duas horas do lado de fora.
Fisicamente você foi deixado em paz...
Houve uma tortura psicológica. Eles me informaram: "Você sabe muito bem que, quando os EUA e a Inglaterra falam que você está preso sob uma lei antiterrorrismo, você sabe que não existe limites para eles, pegam pessoas de países diferentes põem num avião, levam para uma prisão que é Guantánamo, e deixam a pessoa durante nove anos sem julgamento, sem nada”. Então, como falam lei antiterrorismo, você fica com medo. Disseram que, se eu não cooperasse com eles, iria ser preso. Bateram nessa tecla o dia inteiro.
Quantos eram?
Sete agentes.
Um contra sete?
Não, eles ficavam se revezando.
Durante todo o interrogatório, você não encostou no copo d'água que lhe haviam disponibilizado...
Eu tenho noção do que está acontecendo, uma certa noção de política internacional. Sabia que meu marido estava aqui do lado de fora, eu tinha fé no meu governo também. Eu sabia que eu teria uma resposta em algum momento. Só depois de oito horas pude ter acesso ao meu advogado. Acho que consegui lidar bem com a situação porque tenho conhecimento de política internacional. Mas outro brasileiro talvez não teria lidado bem com a situação.
Você conversa com Glenn sobre o conteúdo dos documentos?
Não. Não converso sobre o conteúdo dos documentos. Faço toda a parte estratégica de marketing, administro a carreira do meu parceiro, mas não estou por dentro dos documentos, até o momento em que eles são publicados.
O que achou da atitude do chanceler Antonio Patriota?
Foi bom ele ter dado uma resposta de imediato, mas acho que essa resposta não foi suficiente, porque falar que “não quero que isso se repita” e ter uma resposta para isso é completamente diferente. Espero que o governo do nosso país tenha uma atitude para que isso não se repita com nenhum brasileiro nunca mais. Foi bom, mas uma pressão internacional maior fez com que ele respondesse imediatamente.
Você está ciente do papel que você tem?
Exatamente. Não gosto de dar entrevistas, trabalho no background com Glenn. Mas, como um brasileiro, estou indo à frente para que isso nunca mais aconteça com nenhum outro brasileiro.
Você está entrando com uma ação na Justiça britânica...
Sim, são três pedidos: que eles entendam, e a corte diga que eles usaram a lei indevidamente; quero os itens que foram confiscados; e a terceira parte, a mais importante, que do material que eles pegaram – laptop, celular e HD externo – não vá cópia para nenhum lugar e que seja retornado para mim.
E agora na quarta-feira, em Brasília, no Senado?
Ainda não tenho informações suficientes para isso.