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Imprensa europeia repercute polêmica sobre aborto no Brasil

18 de agosto de 2020

Jornais relatam controvérsia em torno do caso da menina de dez anos que fora estuprada pelo tio, destacando "extremismo" e "fundamentalismo" religiosos incensados pelo governo Bolsonaro.

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Protesto no Rio de Janeiro pela descriminalização do aborto, em 2018
Protesto no Rio de Janeiro pela descriminalização do aborto, em 2018Foto: AFP/Getty Images/M. Pimentel

Os protestos de ativistas antiaborto no Recife, que tentaram impedir a interrupção da gravidez de uma menina de dez anos de idade que fora estuprada por seu tio, repercutiram em vários veículos de imprensa europeus, que chamaram a atenção para o "fundamentalismo religioso" de grupos católicos e evangélicos no Brasil.

Os jornais ressaltaram o papel da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que criticou em rede social a decisão da Justiça de permitir a realização do aborto.

Também foi mencionado o fato de a ativista de direita Sara Giromini divulgar as informações pessoais da vítima e convocar seus apoiadores a comparecerem ao hospital na capital pernambucana, o que resultou em tumultos e ofensas graves contra a vítima e os médicos da clínica encarregados do aborto legal, realizado neste domingo (16/08).

As reportagens destacaram também a atuação de grupos feministas e pró-aborto em defesa dos direitos da menina, assim como o fato de o governo do presidente Jair Bolsonaro motivar ações de ativistas como Giromini através da banalização do discurso de ódio.

Nesta terça-feira, após passar alguns dias foragido, o acusado de abusar sexualmente da menina desde que ela tinha seis anos de idade foi preso.

The Guardian (Reino Unido) – Brasil: indignação após extremistas religiosos assediarem menina que procurava aborto (17/08)

Mulheres brasileiras saem às ruas em grande número para proteger uma menina de dez anos que sofre perseguição de extremistas religiosos por tentar realizar um aborto legal, depois de ter sido estuprada pelo tio.

A menina de São Mateus, uma pequena cidade do Espírito Santo, foi hospitalizada em 7 de agosto se queixando de dores no abdômen, e os médicos logo confirmaram que estava grávida. A criança contou à polícia que era estuprada pelo tio desde os seis anos de idade, e que se manteve em silêncio por ter medo. O agressor de 33 anos estava foragido.

As leis altamente restritivas ao aborto no Brasil – na maior parte, estabelecidas nos anos 1940 – permitem a interrupção da gravidez em casos de estupro, quando a vida da mãe está em risco ou quando é detectada anencefalia [má formação do encéfalo].

Apesar disso, a menina teve de viajar mais de 1.400 quilômetros até o Recife para realizar o procedimento, após um debate amplamente politizado que resultou na recusa de um hospital de seu estado em tratar da criança.

Ao chegar ao hospital onde a operação deveria ser executada na tarde de domingo, a entrada estava ocupada por ativistas antiaborto de extrema direita e políticos, que foram filmados ofendendo os funcionários do hospital e a criança, ao tentarem impedir seu ingresso no local.

"Ver uma menina de dez anos ser criminalizada por encerrar uma gravidez resultante de um estupro e porque sua vida está em perigo, nos dá uma noção de como o fundamentalismo religiosos está avançando em nosso país", comentou Elisa Aníbal, ativista feminista do Recife.

Os ativistas religiosos aparentemente descobriram o nome do hospital, que fora mantido em segredo por razões de segurança, através de uma ferrenha apoiadora do presidente Jair Bolsonaro. Num vídeo online que mais tarde seria apagado, mas ao qual o Guardian teve acesso, a extremista pró-Bolsonaro Sara Giromini diz o nome da menina e alega falsamente que as autoridades a sequestraram e alugaram um avião particular para transportá-la para a clínica.

Até o ano passado, Giromini trabalhava para a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a pastora conservadora evangélica Damares Alves. As duas aparecem juntas num vídeo de campanha amplamente divulgado em que Alves afirma: "Sara é mais do que uma camarada nessa luta para defender a vida e a família: Sara é como minha filha."

Paula Viana, ativista pró-aborto que acompanhou a menina do aeroporto do Recife até o hospital, disse ter sido alertada de que os ativistas antiaborto os aguardavam enquanto ela se dirigia de táxi até o local. Ela conta que eles pararam o carro, esconderam a menina no porta-malas e entraram no edifício por uma porta lateral.

"É inacreditável que isso aconteça no Brasil, que parte da população realmente acredite que um aborto é pior que um estupro", disse Viana, que pertence ao grupo de direitos das mulheres Curumim. "Mas não nos surpreendemos, porque temos um presidente que apoia tais demonstrações de ódio."

Quando as informações sobre a emboscada antiaborto se espalharam entre a comunidade feminista do Recife, vários ativistas se dirigiram ao hospital para defender os direitos da menina.

"No fim do dia, havia mais de 150 pessoas apoiando a menina [...] mulheres, transgêneros, negros, jovens [...] quando olhamos para o outro grupo, eles eram na maioria homens brancos velhos vestindo ternos, com poucas mulheres entre eles", contou Aníbal.

Die Tageszeitung (Alemanha) – Preces contra o aborto (17/08)

Eram preces em voz alta, agressões e, no final, tentativas de invadir a clínica. Grupos católicos, pastores evangélicos e políticos radicais de extrema direita convocaram um protesto no Recife, neste domingo. Os manifestantes queriam evitar que uma menina de dez anos que engravidou após ser estuprada se submetesse a um aborto. O caso gerou debate sobre o crescimento da influência dos grupos religiosos.

[...]

Grupos cristãos vêm lutando há anos contra as leis [do aborto] e, desde a eleição de Jair Bolsonaro, recebem apoio das camadas mais altas do poder.

A ministra da Família, Damares Alves, não é apenas pastora evangélica, mas também uma das mais conhecidas ativistas antiaborto no país. No debate mais recente, a ministra deu luz verde para uma verdadeira caça às bruxas, ao criticar no Facebook a decisão do Judiciário que permitiu o aborto.

Como a vítima é uma criança, o caso sequer poderia ter sido discutido. Isso, porém, não impediu a influenciadora de extrema direita e apoiadora de Bolsonaro Sara Winter de se posicionar publicamente. A fundamentalista e ex-feminista pediu que seus apoiadores protestassem e chegou até a divulgar o nome real e endereço da menina.

A menina de dez anos, que vive com a avó no Espírito Santo, foi estuprada pelo tio durante vários anos. Com o aumento da pressão pública, o hospital de sua cidade se recusou a realizar o aborto – mesmo que a Justiça o tenha permitido anteriormente. A menina teve de se deslocar até o estado de Pernambuco, a mais de mil quilômetros de distância.

Centenas de feministas se reuniram no domingo para apoiar a menina e formar uma corrente humana contra a direita. Uma das manifestantes era Carol Vergolino, política do partido de esquerda Psol. "Quando a menina chegou à clínica, levava seu ursinho nas mãos. Os fundamentalistas a insultaram e chamaram de assassina", disse a mulher de 42 anos ao jornal Taz.

Segundo Vergolino, os protestos são consequência direta das políticas do presidente Jair Bolsonaro. "O presidente semeia o ódio e incita as pessoas a agirem dessa forma."

No Brasil, tomar uma posição em relação ao aborto pode ser perigoso. Os médicos relatam várias ameaças e reprimendas. O médico que realizou o aborto na menina de dez anos foi excomungado da Igreja Católica há alguns anos, devido a seu trabalho.

Der Spiegel (Alemanha) – Ativistas de extrema direita perseguem menina de dez anos após aborto (18/08)

O aborto legal de uma menina de dez anos que foi estuprada pelo tio gerou uma controvérsia acalorada no Brasil. Segundo vários veículos de imprensa brasileiros, a Justiça do Espírito Santo ordenou que as redes sociais apaguem postagens com informações sobre a menina.

[…]

Casos como esse normalmente são tratados em sigilo. Mas, segundo uma reportagem do portal de notícias Pernambuco, os dados sobre a menina estuprada foram tornados públicos. Uma ordem de prisão foi emitida contra seu tio, que estava foragido.

A ministra da Mulher e da Família, Damares Alves, lamentou no Facebook a decisão da Justiça que concedeu à menina o direito de realizar um aborto. Ela considera a intervenção como perigosa.

Uma ativista de direita chegou a publicar o nome da menina e do hospital. A criança teve de ser levada a um hospital especializado após a operação ser recusada por uma clínica no Espírito Santo. Opositores do aborto e políticos conservadores se reuniram em frente ao local, chamando o médico encarregado do procedimento de "assassino".

Segundo o Anuário da Segurança Pública do Brasil, a cada hora quatro meninas brasileiras de menos de 13 anos de idade são estupradas, na maior parte dos casos por familiares. Segundo as estatísticas, 66 mil casos de estupro foram registrados em 2018, sendo que mais da metade das vítimas era menor de 13 anos

Die Zeit (Alemanha) – Menina de dez anos ameaçada por extremistas por aborto (18/08)

O aborto de uma menina de dez anos que foi estuprada pelo tio gerou um debate acalorado no Brasil e resultou em ameaças por extremistas de direita. Segundo vários veículos de imprensa brasileiros, a Justiça do Espírito Santo ordenou que as redes sociais apaguem postagens com informações sobre a menina. O tio, que teria molestado a menina desde os seis anos de idade, estava foragido.

A política conservadora de direita Sara Winter publicara os nomes da menina e do hospital onde o aborto seria realizado. Winter, ex-ativista do feminismo, é conhecida há anos como opositora do aborto sendo, até pouco tempo atrás, responsável pela política de maternidade do Ministério da Mulher e da Família.

A atual ministra da pasta e pastora evangélica, Damares Alves, lamentou no Facebook a decisão da Justiça de conceder à menina o direito ao aborto. Ambas são consideradas apoiadoras do presidente Jair Bolsonaro

El País (Espanha) - Grupos conservadores brasileiros distorcem o aborto legal de uma menina de dez anos violada por seu tio (17/08)

Centenas de meninas violentadas se veem obrigadas a recorrer a um aborto legal no Brasil sem necessidade de autorização da Justiça e sem o conhecimento da opinião publica. Mas a repercussão do caso fez com que o estado do Espírito Santo buscasse uma solução no Recife.

Acompanhada de sua avó e de seus bonecos de pano, a menina estava serena enquanto esperava o início da primeira etapa do procedimento, segundo relatos de testemunhas.

A vítima e sua família perderam a privacidade inerente a casos tão violentos como esse. Na entrada do centro de saúde onde se realizaria o aborto, um grupo chamava de "assassino" o médico e diretor da clínica Olympio Filho. A avó da menina estava segura da decisão que havia tomado, acatando os pedidos da neta.

[...]

O gesto da ministra [Damares Alves] gerou um clima de terror e de caça às bruxas na Justiça de São Mateus, cidade de 130 mil habitantes a 130 quilômetros de Vitória. O assunto se converteu em disputa política e, segundo fontes próximas ao caso, em "crueldade cínica" para com a vítima, que é negra e mora com a avó, uma vendedora ambulante.

A impressão de que ela poderia suportar tamanha violência revelou sinais de racismo e indiferença por sua classe social pelos que a atenderam no serviço publico, diz-se. A menina vive uma situação comum a milhões de crianças pobres do Brasil: a mãe a abandonou, o pai está preso, e o tio que a violentou é um ex-presidiário.

Em contrapartida, a avó é conhecida por se preocupar com a educação da menina, só se separando dela quando ia trabalhar. Tanto ela como a neta deixaram claro à Justiça que queriam ser amparadas pela legislação brasileira e interromper a gravidez. A reação da menina era de desespero quando se cogitava a opção de continuar com a gravidez, segundo várias testemunhas. Ela estava grávida há 22 semanas, limite do prazo para terminar a gestação, segundo as normas do Ministério da Saúde.

"Manter a gravidez é um ato de tortura, é abusar novamente dela, é fazer com que o Estado abuse dela, igual ou pior do que já havia ocorrido", disse Olympio Filho, médico responsável pelo aborto.

Havia também um risco obstétrico de hemorragia, além da falta de estrutura psicológica para assumir uma maternidade fruto de um ato de violência: "Primeiro é preciso preservar a vida da menina, e depois, lhe dar o apoio psicológico para que consiga superar. O dano será muito maior se a obrigarem a continuar com a gravidez", alertou.

RC/ots

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