Indústria alemã investe mais no Brasil do que na China
3 de julho de 2005Com a entrega do prêmio Personalidade do Ano para os empresários Norberto Odebrecht (grupo Oderbrecht) e Jürgen Harnisch (ThyssenKrupp), começa neste domingo (03/07) o 23º Encontro Econômico Brasil-Alemanha em Fortaleza (CE). Durante três dias, cerca de 800 empresários dos dois país discutem assuntos ligados às relações econômicas bilaterais.
Segundo o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Jorge Parente Frota Jr., "o encontro buscará intensificar as relações Brasil-Alemanha, bem como diversificar a pauta comercial e gerar transferência de tecnologia". O fluxo comercial Brasil-Alemanha é da ordem de US$ 9 bilhões por ano.
Em entrevista exclusiva à DW-WORLD, o vice-presidente da Confederação da Indústria Alemã (BDI), Michael Rogowski, destaca que os empresários alemães ainda investem mais no Brasil do que na China.
DW-WORLD - Quais são as vantagens e desvantagens do Brasil como base para investimentos e exportações?
Rogowski - Em primeiro lugar, os dados macroeconômicos do Brasil são favoráveis. Com um crescimento econômico de 5,2% em 2004, o país atingiu o melhor resultado dos últimos dez anos. Em termos de Produto Interno Bruto, o Brasil ocupa o 9º lugar no ranking das maiores economias do mundo. Com 180 milhões de consumidores, dispõe do maior mercado interno da América Latina. Além disso, ele garante o acesso ao mercado de mais de 250 milhões de habitantes do Mercosul.
Entre os pontos fracos como base de investimentos estão os juros e impostos altos. Fatores especiais, como o imposto sobre serviços, oneram principalmente os investidores estrangeiros. Também a burocracia – à semelhança do que ocorre na Alemanha – é um peso considerável. Além disso, atualmente as exportações sofrem com a valorização do real (24 % em relação ao dólar nos últimos 12 meses).
O governo Lula não privilegia demais o setor de agronegócios (o Brasil está a caminho de se tornar o maior exportador agrário do mundo) em detrimento de outros setores industriais?
O Brasil tem grandes vantagens comparativas na área de agronegócios, um setor que, além do mais, tem um importante componente de política desenvolvimentista. Uma das prioridades do governo é a ampliação da infra-estrutura, que desempenha um papel-chave no desenvolvimento do país.
Foi aprovada no ano passado a lei das PPP (Parcerias Público Privadas), que deve dar novos impulsos para investimentos em infra-estrutura. Na área de energia e infra-estrutura, a BDI coordena uma iniciativa bilateral com participação dos setores econômico e político. Nossa meta é realizar cada vez mais projetos de infra-estrutura no Brasil com tecnologia alemã.
A indústria alemã não comete um equívoco ao investir cada vez mais na China e no Leste Europeu, relegando o Brasil a segundo plano?
Trata-se em parte de um processo destinado a ganhar terreno na Ásia. Há décadas que empresas alemãs atuam no Brasil. A Siemens festeja neste ano seu centenário. Minha empresa – a Voith – produz no Brasil há 40 anos e mantém em São Paulo um centro de competência mundial. Na China, 1500 empresas alemãs investiram cerca de 7,9 bilhões de euros até 2003 – no Brasil é mais do que o dobro.
É verdade que os investimentos diretos alemães ainda se concentram na União Européia e nos Estados Unidos; os dois mercados juntos atraem cerca de 80% dos investimentos estrangeiros alemães. Mas a indústria alemã não esqueceu o Brasil. Pelo contrário: no ano passado, os investimentos alemães diretos aumentaram cerca de 35 %. A construção de uma siderúrgica pela ThyssenKrupp nas proximidades do Rio de Janeiro abrange um volume de investimentos de cerca de 1,3 bilhão de dólares. Além disso, esperamos um aumento dos investimentos da Alemanha no âmbito do no programa de PPPs para projetos de infra-estrutura.
A recente crise política no Brasil (casos de corrupção, renúncia do chefe da Casa Civil, José Dirceu, etc) gerou insegurança para os investidores estrangeiros?
Faz parte de uma democracia que funciona a possibilidade de que ocorram irregularidades, mas que estas sejam apuradas abertamente. Eu vejo esta crise política como uma chance e um encorajamento para o governo Lula dar continuidade à sua linha de reformas. De fato, há velhas estruturas nas relações entre a União e os Estados que retardam projetos de investimentos.
A redução da burocracia e uma delimitação clara de competências entre a União e os Estados seria um dos principais estímulos para o Brasil atrair investimentos estrangeiros. Praticamente não há mais investidor que duvide da estabilidade econômica e monetária do Brasil.
As energias renováveis e o comércio de emissões também são assuntos em pauta em Fortaleza. Quais são as possibilidades de cooperação entre Brasil e Alemanha nesses campos? Teremos em breve carros movidos a etanol circulando na Alemanha?
Já existe um intercâmbio intenso e o planejamento de projetos concretos na área de biocombustíveis no âmbito da iniciativa teuto-alemã de agronegócios. A indústria automobilística alemã é líder mundial na produção de veículos a bioetanol. Em maio passado, foram vendidos mais automóveis flex-fuel do que carros convencionais no Brasil. Também na Alemanha calculamos com um crescente interesse por essa tecnologia – inicialmente através da adição gradativa de 5 % de etanol à gasolina. No entanto, aqui ainda precisam ser investidos muitos recursos na adaptação da indústria de combustíveis.
Também na área do Protocolo de Kyoto há interessantes mecanismos que possibilitam uma eficiente cooperação para a redução das emissões de CO². Nesse campo, porém, a indústria ainda precisa de uma estratégia de planejamento de longo prazo.
Qual é o balanço que o senhor faz das atuais relações econômicas teuto-brasileiras. O que poderia ser melhor? O senhor espera grandes mudanças após uma eventual troca de governo em Berlim?
O Brasil é o principal parceiro da indústria alemã na América Latina. Mais importante do que o comércio são os investimentos. A produção das empresas alemãs em solo brasileiro é várias vezes superior às nossas exportações para o Brasil. A contribuição alemã ao PIB brasileiro é de aproximadamente 5 %, na indústria chega a 15 %.
Naturalmente, é preciso lembrar que o empresariado alemão quase não participou da onda de privatizações dos anos 90. Se o ritmo de crescimento for mantido, vejo interessantes possibilidades de ampliar nossas relações econômicas.
Quanto ao quadro político, há no momento pequenos retrocessos, como a revogação do acordo para evitar a dupla tributação. Isso implica desvantagens concretas para o Brasil como praça econômica. No todo, porém, espero uma continuidade da cooperação bilateral.
Por último, o que o senhor espera do encontro de Fortaleza, que agora acontece sem a presença do ministro alemão da Economia, Wolfgang Clement?
Os Encontros Econômicos Brasil-Alemanha já acontecem há 23 anos. Esta é a principal conferência das relações econômicas bilaterais com o Brasil. Esperamos este ano em Fortaleza cerca de 800 empresários, mais de 160 da Alemanha. O flanqueamento político através do ministro da Economia, Wolfgang Clement, teria sido importante para nós. Mas ele será bem representando pelo vice-ministro da Economia, Rezzo Schlauch.
A agenda da conferência de Fortaleza mostra todo o espectro das cooperações existentes ou desejadas nas relações econômicas bilaterais. Isso inclui setores tradicionais como o automobilístico ou mecânico, agronegócios, energia e infra-estrutura, mas também novos campos como a biotecnologia, nanotecnologia ou cooperações de CDM [Mecanismo de Desenvolvimento Limpo].
Ao mesmo tempo, em Fortaleza queremos divulgar o Encontro Econômico de 2006, que acontecerá durante o Campeonato Mundial de Futebol, em julho, em Berlim. Queremos aproveitar esses dois eventos para atrair investidores também para a Alemanha.