Independência do BC divide economistas
22 de setembro de 2014Desde que Marina Silva (PSB) anunciou sua proposta de independência do Banco Central, o tema se tornou um dos mais importantes entre os candidatos que disputam a Presidência. Por trás do debate está em questão a própria democracia, opinam especialistas. Para eles, ela pode ser prejudicada ou beneficiada pela medida.
Os que são favoráveis afirmam que a proposta permitiria blindar o Banco Central de influências políticas do poder executivo. "O BC não foi feito para ajudar o presidente da República a ganhar eleições", diz o economista Simão Silber, da USP.
Já os especialistas contrários à medida defendem que a autonomia significa, na prática, entregar o BC aos bancos privados e reduzir a capacidade do governo de gerir a política econômica. "Se o dirigente do BC não vai bem, o presidente, que foi eleito, tem o dever de demitir e colocar outro no lugar. A independência estabelece que certos diretores estão imunes à democracia", aponta o economista João Sicsú, da UFRJ.
Presidente e metas de inflação
Em seu programa de governo, Marina não explica exatamente como pretende implementar a independência. "O modelo será mais detalhado após as eleições, com base em debates já avançados sobre o tema", diz o documento.
Entretanto, o programa deixa claro que a autonomia do BC deve ser assegurada "de forma institucional", com o objetivo de melhorar o controle da inflação. O texto sugere a criação de uma lei para estabelecer um mandato fixo para o presidente do BC, além de definir novas regras de nomeação e destituição da diretoria.
Apesar de haver vários modelos, alguns mecanismos de autonomia formal do BC são recorrentes. Um deles diz respeito ao mandato do presidente do banco, que, além de ser fixo, não deveria coincidir com o do presidente da República.
Outro ponto debatido em modelos de independência é a demissão do presidente do BC. Para alguns especialistas, ele não poderia ser demitido pelo Poder Executivo – como ocorre hoje no Brasil.
Nesse caso, seria dispensado pelo legislativo caso não cumprisse as metas de inflação ou cause "grave prejuízo à economia", configurando "incompetência", segundo defensores do modelo. "Dilma poderia pedir ao Congresso para analisar se o presidente do BC é incompetente ou não. Se acharem que sim, demitem", explica Silber.
Sicsú argumenta que esse modelo dificulta a demissão, o que criaria uma "estabilidade perigosa". "Tanto se critica o funcionário público, que seria irresponsável por não poder ser demitido, e propõem isso para o presidente do BC", critica.
O economista também considera que o critério de demissão por não cumprimento da meta de inflação é ruim. "Incompetência ou competência vai muito além disso", opina.
Atualmente, o presidente do BC é nomeado pelo executivo e aprovado pelo Senado. Especialistas favoráveis à independência, entretanto, acreditam que a diretoria deva ser escolhida pelo Senado, com ou sem indicação do executivo. "No caso de Israel ou da Inglaterra, o governo nem indica a diretoria do BC. Ela é sugerida por uma empresa de headhunter", diz Silber.
Outro ponto que pode variar no modelo de autonomia é a meta de inflação. Em determinados casos, ela é fixada pelo governo; em outros, a tarefa cabe ao próprio BC. Para Silber, a segunda opção seria a ideal.
Ainda que o programa de Marina não contenha esse tipo de informação, alguns de seus conselheiros econômicos sugeriram à imprensa que o presidente do BC continuaria sendo escolhido pelo governo.
Além disso, acenaram com a inclusão do nível de emprego nas atribuições do banco. Com isso, o BC teria que se preocupar não apenas com a inflação, mas também com uma meta de postos de trabalho. Caso seja incluída, a meta ajudaria a rebater as críticas do PT de que a autonomia do Banco geraria desemprego.
Impactos na democracia
Para os defensores da independência, a medida fortalece a democracia, pois restringiria abusos do Executivo e preservaria os interesses da maioria da população.
"O BC, entre outras funções, tem o papel de proteger a renda das famílias. Assim como não se deve interferir na Policia Federal e no Tribunal de Contas da União. Todos esses órgãos trabalham para o povo, não para o governo", argumenta o economista.
Silber acredita que o Banco não pode atuar politicamente. "Metas econômicas têm repercussões políticas decisivas, mas o BC deve agir tecnicamente", defende.
De acordo com os especialistas favoráveis à independência, o BC passaria a prestar contas ao Congresso, o que seria mais democrático e transparente. "É uma representação melhor o povo do que o presidente da República, é mais heterogêneo", destaca Silber.
O economista defende que os bancos centrais autônomos existem em países democráticos. "Quem manda hoje no BC é a Dilma. Ela diz que a independência não é democrática para poder manter esse controle. É justamente o contrário."
Já para os que são contra a autonomia, a medida diminuiria a qualidade da democracia. O presidente da República, eleito pelo povo, seria impedido de demitir a diretoria do BC, mesmo que ela não estivesse cumprindo a sua missão.
"É antidemocrático porque os cargos de confiança são indicados pelo presidente. Isso equivale a dizer que o ministro da Cultura, por exemplo, não pode mais ser demitido e tem que ser escolhido pelo Congresso", diz Sicsú.
Ele defende que o presidente da República deve ser capaz de estabelecer a política econômica, de acordo com os interesses dos eleitores. "A independência prejudica a democracia, porque, em um regime presidencialista, retira a força do presidente", conclui.
Sicsú também se coloca contra o conceito de decisões puramente técnicas. Para ele, o tema não se limita à ciência exata, mas trata de relações sociais. "Toda decisão de governo é política e técnica, tanto construir uma escola, uma estrada ou elevar os juros."
Coordenação econômica e transparência
Uma das principais críticas à independência é falta de coordenação entre governo e Banco Central. Com a autonomia, dizem os especialistas, há um risco de que o Executivo e o BC atuem de forma contraditória e ineficiente, prejudicando o desempenho da economia.
Por outro lado, os pró-independência acreditam que a medida aumenta a transparência do BC. Em alguns países onde o modelo foi adotado, como nos Estados Unidos, a diretoria do Banco Central realiza sessões públicas no Congresso. "O presidente do BC europeu, por exemplo, está sempre dando entrevistas, é obrigado a se explicar, as coisas não ficam intramuros", argumenta o economista.
Uma gestão técnica, afirma Silber, somada a uma maior transparência, traria mais credibilidade à economia brasileira. "O governo colocou a mão no Tesouro, na Petrobrás, no Banco Central e desorganizou tudo. Por isso o Brasil perdeu a credibilidade", diz.
Assim como a propaganda do PT contra a autonomia, críticos do modelo defendem a ideia de que a medida levaria o BC a "ser capturado pelos bancos privados". Com o afastamento do governo, o Banco Central tenderia a se aproximar do sistema financeiro privado. Por possuirem mais recursos técnicos e humanos que o setor público, os bancos privados seriam capazes, portanto, de influenciar as decisões do BC.
Sicsú aponta outro perigo dessa relação estreita: a falta de fiscalização do sistema financeiro privado: "A causa mais profunda da crise de 2008 foi a desregulamentação dos bancos, que não foram fiscalizados pelo BC."
Quando um banco quebra, provoca um "efeito sistêmico", deteriorando a economia como um todo. "Quando há crescimento, bancos tendem a ser mais ofensivos e agressivos na oferta de crédito. Cabe ao BC regular isso, chamar o banco à responsabilidade", lembra o economista.
Sicsú também ressalta que os bancos privados têm um grande interesse na definição das taxas de juros. Se o BC eleva a taxa, por exemplo, aumentam as despesas do governo com o pagamento da dívida. "O sistema financeiro privado detém a maior parte da dívida pública. Então, quanto maior os juros, maior a remuneração dos bancos. Por isso essa aproximação do BC é tão negativa", aponta.
Segundo os defensores da independência, o Congresso controlaria o trabalho do BC, impedindo essa interferência dos bancos privados. "Essa ideia de captura do BC é falaciosa", garante Silber.