Independência suspensa prorroga tensão na Catalunha
11 de outubro de 2017O aguardado discurso do presidente do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, no Parlamento regional nesta terça-feira (10/10) – no qual declarou a independência catalã, mas suspendeu seus efeitos para abrir um processo de diálogo com Madri – provocou leituras contraditórias e abriu brechas com os seus aliados.
Milhões de catalães, incluindo os seus mais próximos aliados políticos, esperavam que Puigdemont declarasse unilateralmente a independência da região, com efeitos imediatos e práticos, dando seguimento à vitória do "sim" no referendo de 1º de outubro, considerado ilegal pela Justiça espanhola.
Por outro lado, milhões de outros catalães e demais espanhóis esperavam que Puigdemont renunciasse à independência, uma exigência do governo de Madri, e convocasse eleições regionais antecipadas – sugestão do principal partido da oposição, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).
Em seu pronunciamento, Puigdemont não fez nem uma coisa nem outra. No decorrer do discurso de cerca de 25 minutos, em catalão mas com partes em espanhol, o líder disse que assume o "mandato do povo" para que a Catalunha seja um "Estado independente, sob a forma de república".
A frase foi recebida com um aplauso no Parlamento regional e nas ruas de Barcelona, repletas de milhares de independentistas que se preparavam para celebrar o "dia histórico" anunciado nas redes sociais.
Mas, em seguida, Puigdemont anunciou que ele próprio e o seu governo propunham que o parlamento "suspendesse os efeitos da declaração de independência" para empreender "um diálogo [com o governo em Madri], sem o qual é impossível alcançar uma solução acordada".
O governo espanhol considerou inadmissível "fazer uma declaração de independência implícita para de imediato deixá-la em suspenso de forma explícita".
Nesta quarta-feira, o presidente do governo da Espanha, Mariano Rajoy, ameaçou suspender a autonomia da Catalunha e pediu ao presidente do governo regional que esclareça se declarou ou não a independência.
"O Conselho de Ministros concordou em enviar um pedido formal ao governo da Generalitat [governo regional catalão] para que confirme se declarou a independência da Catalunha", disse Rajoy, numa breve declaração transmitida pela televisão.
Rajoy voltou a ameaçar desencadear o processo de suspensão da autonomia, com a ativação do artigo 155 da Constituição espanhola, mas frisou que é preciso que o governo autônomo esclareça a sua posição para que Madri possa decidir que medidas tomar.
Esta foi a primeira vez que Rajoy mencionou abertamente que o artigo 155 será o próximo passo adotado pelo governo central caso as autoridades catalãs não recuem. O artigo em questão, nunca usado, prevê a suspensão da autonomia e dá ao governo central poderes para adotar "as medidas necessárias" para repor a legalidade.
Mais tarde, em comparecimento no Parlamento em Madri, Rajoy descartou qualquer mediação num processo marcado "pela desobediência" e frisou que "não existe um país democrático do mundo" que tenha levado "minimamente a sério" o referendo realizado pelos catalães.
Tensão e incerteza
Diante do pedido de negociação com Madri, a vice-presidente do governo da Espanha, Soraya Sáenz de Santamaría, afirmou que o diálogo com a região deve ocorrer dentro da lei.
"Nem Puigdemont nem ninguém pode reivindicar a imposição de uma mediação. Qualquer diálogo entre democratas tem que ser realizado dentro da lei", afirmou Santamaría.
Ela declarou ainda que Puigdemont elevou o nível de incerteza e de tensão na Catalunha ao maior da história. "É uma pessoa que não sabe onde está, aonde vai e com quem quer ir", acrescentou.
Para o jornalista Joaquín Luna, do diário La Vanguadia, de Barcelona, a situação é "uma piada". "Todos nos perguntamos o que isso significa. Tudo depende agora de o governo de Madri partir do princípio que Puigdemont declarou ou não declarou independência", disse.
Independentistas assinam declaração
A ausência de uma declaração de independência clara e a suspensão dos efeitos motivou uma reação forte de um dos principais aliados do governo regional, o partido de extrema esquerda Candidatura de Unidade Popular (CUP).
"Acreditávamos que hoje [terça-feira] era dia de proclamar solenemente a República catalã, e talvez, dizemos talvez, tenhamos perdido uma oportunidade histórica", disse no parlamento a deputada da CUP Anna Gabriel.
"Esta proclamação solene da república não chegou, e nós soubemos disso uma hora antes de começar o plenário, e por isso não podemos aceitar esta suspensão" dos efeitos, realçou.
Face às dúvidas e à insatisfação liderada pela CUP, surgiu uma nova iniciativa: os 72 deputados independentistas – 62 da Junts pel Sí e 10 da CUP – assinaram uma declaração na qual se "constitui a República da Catalunha" como "Estado independente e soberano".
Intitulado "Declaração dos Representantes da Catalunha", o documento indica que a "Catalunha restaura a sua plena soberania, perdida e largamente sonhada, depois de décadas a tentar honestamente e lealmente a convivência institucional com os povos da península ibérica".
"Constituímos a república catalã como Estado independente e soberano, de direito, democrático e social", salienta a declaração, que não refere grupos parlamentares nem tem o timbre ou cabeçalho do parlamento regional. Os signatários também incluíram na declaração um apelo "aos Estados e às organizações internacionais para que reconheçam a República catalã como Estado independente e soberano".
O referendo na Catalunha deu vitória ao "sim" pela independência, com 90% dos votos. Porém, o comparecimento foi de apenas 43%. A votação ocorreu contra a vontade de Madri e considerada ilegal pela Justiça espanhola.
PV/lusa/efe/afp/rtr/ap/dpa