Indígenas da Amazônia lançam fundo para enfrentar covid-19
6 de maio de 2020Diante da circulação do novo coronavírus em aldeias por toda a Amazônia, lideranças dos nove países da região recorrem à comunidade internacional para socorrer os mais de 3 milhões de indígenas ameaçados pela pandemia. O grupo lançou nesta quarta-feira (06/05) um fundo para arrecadar recursos para combater o avanço da covid-19 e evitar mais mortes em decorrência da doença em seus territórios.
"Não vamos esperar mais pelo governo, pelas políticas sociais, porque não estão chegando a nossas comunidades", afirma José Gregorio Díaz Mirabal, à frente da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica). "Já sabemos que, na América Latina, ninguém quer nos apoiar. Nem governos, nem empresas. Esperamos solidariedade da comunidade internacional", lamenta.
A carência é gritante, diz Mirabal. "Falta de tudo nesse momento. Nosso povo precisa de atenção, alimentos, máscara, testes para detectar a covid-19. Mal temos médicos nas comunidades. Precisamos desse fundo para comprar essas coisas", acrescenta a liderança indígena.
Nas próximas duas semanas, a campanha, que conta com o apoio de organizações da sociedade civil, pretende arrecadar até 3 milhões de dólares. Num espaço de um mês, o objetivo é chegar ao dobro desse valor, conta Suzanne Pelletier, da Rainforest Foundation americana, uma das 19 ONGs envolvidas na iniciativa.
"A invisibilidade dos povos indígenas para os Estados é grande já faz muito tempo. Hoje, com a covid-19, podemos ver mais claramente que antes", critica Julio César López, liderança indígena da Colômbia.
A ausência de estratégia nos nove países amazônicos para lidar com essas populações é criminosa, alega López. "Deixar que a pandemia avance é como acabar com a cultura indígena. É como a colonização dos anos de 1500", compara.
Sem confiar em estatísticas oficiais, a Coica estima que haja 26 mil indígenas infectados atualmente em toda a Amazônia. "Nenhum governo tem um número real sobre os povos indígenas. Sabemos que são mais de 30 mortos. Mas pode ser 40, 60", diz Mirabal sobre a dificuldade de acesso a dados.
No Brasil, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, contabiliza 152 casos confirmados, 41 suspeitos e 10 mortes. O acompanhamento feito pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), porém, soma 35 óbitos e 22 povos atingidos.
"A situação é ainda mais complicada no Brasil porque, além da covid-19, o presidente Bolsonaro, que desconsidera todo o aparato de combate à doença, ataca os povos indígenas a todo momento", diz Elcio da Silva Manchineri, da Coiab.
Para onde vai o dinheiro
O dinheiro arrecadado será gerido por um grupo de trabalho criado com as organizações indígenas e passará por uma espécie de auditoria coordenada pela Rainforest Foundation. "Seremos um agente fiscal. O dinheiro será transferido diretamente para organizações, segundo as decisões do conselho indígena", diz Pelletier.
A Coica espera beneficiar mais de 3 mil comunidades com o fundo. Segundo Mirabal, os recursos arrecadados serão usados na compra de remédios, alimentos, apoio aos poucos médicos que atuam nestas regiões, no transporte pela Amazônia, entre outros.
Julio César López, indígena colombiano, afirma que o fundo já criou um mecanismo de avaliação de controle para dar segurança aos doadores. "Poderá ser acompanhado por todos, com transparência".
Nara Baré, brasileira à frente da Coiab ressalta que o fundo é a oportunidade para apoiar diretamente os povos da Amazônia. "As campanhas precisam ser com o movimento indígena, e não para os indígenas. Todas as ações são bem-vindas, mas desde que tenha a nossa participação efetiva", comenta Baré. "Só assim vamos saber com certeza que as comunidades estão recebendo apoio", acrescenta.
Sem hospitais adequados, com ameaças de contaminação trazida por derramamento de petróleo, contaminação dos rios por mercúrio, invasores e empreendimentos na Amazônia, indígenas buscam se manter afastados. "Aprendemos com nossos avós que a única ferramenta para sobreviver em época de pandemia e violência é o isolamento", conta López.
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