História do Haiti
22 de abril de 2010
São poucos, na Alemanha, os estudiosos da história e cultura haitianas. Um deles é o professor Walther Bernecker, da Universidade Erlangen-Nurembergue, autor do livro Pequena História do Haiti e pesquisador da história espanhola, portuguesa e latino-americana.
Para Bernecker, um dos motivos do pouco interesse por temas haitianos entre os pesquisadores alemães é o fato de o país falar francês, diferentemente do espanhol ou português, dominados pela maioria dos interessados no estudo da América Latina.
Durante o período colonial, explica Bernecker, a Ilha de São Domingos ou Ilha Espanhola – que engloba o Haiti e a República Dominicana – foi durante muito tempo unificada e também esteve durante muito tempo dividida. Isso se deve à própria história colonial da ilha, iniciada pelos espanhóis, que, ali não encontrando ouro, voltaram suas atenções para outras regiões do continente.
Abandonada, a colônia foi ocupada por outras potências europeias, mais particularmente pela França, que se apropriou de sua parte ocidental. Após a independência, tal divisão, em uma parte francesa e outra espanhola, continuou. Chamada de Saint-Domingue durante o período colonial, a parte francesa voltou a ser denominada de Haiti ["terra de altas montanhas", em crioulo], enquanto a parte espanhola continuou a se chamar Santo Domingo, mais tarde República Dominicana, disse o professor.
Algo único na América Latina
Depois dos Estados Unidos, o Haiti foi, em 1804, o primeiro país do continente americano a se declarar independente da metrópole europeia. A grande peculiaridade dessa independência, no entanto, está no fato de se tratar de uma colônia cuja população era composta quase que exclusivamente por negros.
No final do século 18, o Haiti tinha cerca de 560 mil habitantes. Desses, somente pouco mais de 10% eram brancos, ou negros libertos ou mulatos. Foram esses escravos que iniciaram a revolta contra a metrópole colonial francesa e, mais tarde, contra a elite branca e mulata, fundando então uma república de escravos negros.
"Isso foi certamente algo único na América Latina", explica Bernecker. E o extraordinário está no fato de que essas lutas foram tão cruéis, que nenhum outro país da América Latina quis tomar a independência do Haiti como exemplo a seguir. Temia-se que essas lutas se expandissem para muito além da independência política, na direção de uma guerra social, até mesmo uma guerra racial, como foi o caso no Haiti, onde as perdas e as vítimas foram tantas, que outros países latino-americanos não quiseram arriscar, acresce Bernecker.
"Africanização" da independência
Dessa forma, explica o professor, pode-se falar de uma "africanização" da luta de independência do Haiti, que se distingue das demais lutas de libertação na América Latina. A luta de independência do Haiti teve vários estágios: ela começou com uma revolta dos colonos brancos contra a França, porque sentiam estar sendo tratados de forma injusta pela metrópole francesa
Em uma segunda fase, tal luta se transformou em uma batalha pela emancipação racial, empreendida pelos negros – que ocupavam as posições mais baixas da escala social – contra os mulatos, que formavam uma espécie de classe média, e principalmente contra os brancos.
O resultado dessa luta em vários estágios foi que restaram, praticamente, só negros no Haiti, já que os brancos foram expulsos ou exterminados, o que também aconteceu com os mulatos. Assim, no final, viu-se a criação de uma república composta quase que exclusivamente por negros. O período em questão vale para os anos entre 1799 e 1804, quando a independência foi finalmente declarada, explicita.
Isolamento político e econômico
O século 19 foi, então, extraordinariamente problemático para o Haiti. Após a independência, a população composta por escravos não estava, naturalmente, preparada para a autogovernança.
Falando em termos meramente econômicos, diz Bernecker, a estrutura econômica da antiga colônia francesa Saint-Domingue era caracterizada por aquilo que os historiadores chamam de colônia de monocultura, uma colônia muito rica, que se dedicou principalmente ao cultivo do açúcar e mais tarde do café.
Durante as lutas de independência, esses cultivos de monocultura foram dissipados e, em seu lugar, surgiu um método de trabalho dominado por pequenos camponeses, que, por sua vez, não estavam integrados no mercado internacional. O Haiti perdeu, assim, as fontes de riqueza anteriormente provenientes do trabalho escravo.
Em termos políticos, as lutas brutais de independência no Haiti amedrontaram outros países latino-americanos, como também os EUA, que somente reconheceram sua independência em 1862, quase 60 anos após a libertação do país. O especialista em estudos haitianos explica que o resultado foi o isolamento tanto político quanto econômico daquela parte da ilha, o que impossibilitou seu desenvolvimento, no sentido moderno da palavra.
Elites fracassaram completamente
Além disso, acresce Bernecker, um ponto decisivo para a compreensão da falta de desenvolvimento do Haiti foi o fato de seus governantes, desde o princípio, terem se apresentado como déspotas. Muito rapidamente, foi outorgada uma Constituição, que nada mais era do que um modelo de autocracia presidencial, escondida através de um aparente parlamentarismo. Um ditador sucedeu ao outro.
Bernecker afirma que, no século 19, houve no Haiti mais de cem revoltas e guerras civis, o que impossibilitou qualquer continuidade no seu desenvolvimento político e econômico. E isso constituiu, finalmente, o pano de fundo para que o Haiti se tornasse, no século 20, o país mais pobre do hemisfério ocidental.
Assim, o principal motivo da miséria do país é político. Mas o fato de a política haitiana ter sido tão instável, de nenhum tipo de estrutura poder ter se formado, isso é um legado do período colonial, esclarece Bernecker.
Os antigos escravos não estavam preparados para a autogovernança. E as elites, que poderiam tê-lo feito, fracassaram completamente. Como foi o caso em muitos países latino-americanos, e no Haiti de forma bastante extrema, as elites interpretaram o Estado como sua presa. Ao assumir o poder, em vez de investirem no país, elas desviaram para seus bolsos a receita da produção local, o que descartou qualquer tipo de desenvolvimento.
Século 20
Na primeira metade do século 19, a história marcada por guerras e revoltas do Haiti não foi diferente da dos demais países latino-americanos. Na antiga colônia francesa, todavia, isso aconteceu de forma extrema, prolongando-se por todo o restante do século, explica o professor.
Quando, finalmente, chegou-se a certa estabilidade no século 20, isso aconteceu sob ditaduras pessoais de longa duração, como foi o caso da família Duvalier, que dominou e explorou o país durante décadas, sem desenvolvê-lo. Os Duvalier foram apoiados principalmente pelos Estados Unidos, disse.
No século passado, principalmente os Estados Unidos influenciaram a história do Haiti. Eles ocuparam o país entre 1915 e 1934, controlando sua administração financeira até 1947. A desculpa para a ocupação de então foi o não-pagamento de dívidas que o Haiti tinha com os EUA. Tal desculpa foi usada frequentemente pelos norte-americanos para ocuparem países no Caribe e na América Central, acresce.
Durante muito tempo, os fuzileiros navais norte-americanos ficaram estacionados no Haiti. Nesse período, eles fizeram relativamente muito para melhorar a infraestrutura do país, mas o que não fizeram foi fomentar a consciência política ou, até mesmo, a instalação da democracia no Haiti. Não importa quem estivesse no poder, Washington estava interessado em uma estabilidade. Por esse motivo, os EUA apoiaram durante muito tempo o clã dos Duvalier, que sem dúvida não eram democráticos, mas garantiram certa estabilidade no país, destaca o professor.
Papel da religião
Na história do Haiti, salienta Bernecker, o papel da religião é de extraordinária importância. No país instalou-se o catolicismo, mas como a população era de maioria africana, ela trouxe sua religião para a ilha. A mescla do catolicismo com ritos africanos criou uma forma muito especial de religião, que é o vodu.
Tal religião, que ainda hoje é muito presente na ilha, foi utilizada principalmente por ditadores como Duvalier para afirmar o seu poder, já que era considerado por grande parte da população haitiana como a incorporação do Baron Samedi, o mais temido dos deuses do vodu, explica.
Mais tarde, nos anos 1960, a Teologia da Libertação exerceu um importante papel no Haiti. O teólogo da libertação Jean-Bertrand Aristide tornou-se posteriormente presidente do país, mostrando-se infelizmente tão cleptomaníaco quanto os demais governantes anteriores, afirma Bernecker.
No Haiti, finaliza o professor, a importância da religião não pode ser de forma alguma subestimada, pois um dos aspectos da pobreza extrema é que, certamente, somente na religião pode-se encontrar a esperança.
Autor: Carlos Albuquerque
Revisão: Roselaine Wandscheer