Intelectuais, calados e sem bandeiras
23 de setembro de 2005"Sejamos objetivos. A tarefa do escritor é representar o mundo. Ele apreende o mundo em que vive de forma individual, observa as relações de pessoas e forças que as influenciam, depois digere estas impressões, transforma-as em linguagem e histórias e as devolve ao mundo. E justo o escritor deveria se calar sobre política? Então todo o território deve ser cedido aos promotores da economia, analistas da bolsa, sindicalistas e outros peritos?"
Esta questão levantada no diário Süddeutsche Zeitung pela autora Eva Menasse, austríaca residente em Berlim, antes das eleições que acabaram em empate e impasse parlamentar, foi respondida com amplo silêncio pela intelectualidade alemã. Sim, a maioria se calou antes e continuou calada depois do pleito.
Político e intelectual: profissão de risco
A exceção é o veterano social-democrata Günter Grass, que não apenas fez uma campanha ostensiva à atual coalizão de governo com os verdes, como conseguiu até mesmo conquistar para a sua causa alguns escritores jovens, como Eva Menasse e a romancista de sucesso Juli Zeh, entre outros.
Numa entrevista concedida ao semanário Die Zeit, o prêmio Nobel Grass – que continua fazendo campanha por uma coalizão sob liderança de Schröder – se mostrou contente por ter seduzido autores jovens. Ao ouvir do entrevistador que os jovens escritores foram alvo de escárnio por este tipo de engajamento político, Grass respondeu que está acostumado a enfrentar isso, acrescentando:
"Quem se aventura diante da opinião pública como escritor sabe que esta é uma profissão de risco. O jornalismo cultural sempre tem a tendência de confinar os escritores à margem, encarregando-os de formular utopias e visões."
Sim, utopia, mas onde?
Foi justamente este espaço da utopia que a jovem autora berlinense Tanja Dückers havia reclamado anteriormente para os escritores, ao se voltar contra o manifesto "Fora da Rotina", de Menasse, no Süddeutsche Zeitung: "Os autores jovens parecem não ter mais visões próprias. (...) Os escritores não precisam e não devem repetir o que os políticos dizem! O que se espera deles é uma capacidade de imaginar um futuro melhor – um momento utópico, um livro visionário."
O interessante na manifestação política dos escritores durante o processo eleitoral – que ainda não terminou, a propósito – é o fato de os únicos que realmente empunharam alguma bandeira estarem defendendo o status quo, ou seja, a permanência da atual coalizão de governo e de uma política consensual entre reformas econômicas de tendência neoliberal e metas políticas com aura progressista. Igualmente interessante é o fato de os intelectuais situacionistas se comportarem como se fossem revolucionários, assim como o próprio Schröder.
Poucos nomes partidários
Os argumentos dos escritores que se animaram a participar do debate político resgatam uma polarização canônica: a polarização entre a arte como meio mimético de retratar o mundo e a arte pela arte, apta a gerar uma realidade paralela e utópica. Através de um discurso tão desgastado, não é de se admirar que a discussão não tenha ido para frente.
No mais, foram poucos os artistas que se pronunciaram abertamente por um partido: o cineasta Wim Wenders para os social-democratas e Volker Schlöndorff pelos democrata-cristãos, a cantora Nina Hagen pelos verdes e Konstantin Wecker pelos pós-comunistas. Estes são os mais famosos. A lista não era muito maior. Agora, diante do impasse eleitoral, os intelectuais nem sequer arriscaram interpretar a situação.
A momentânea falta de orientação dos intelectuais alemães diagnosticada pela opinião pública é a mesma dos políticos. Assim como a divisão entre direita e esquerda não ajuda mais a compor coalizões, o limite entre engajamento e alienação não inflama debates.
Na falta de palavras...
Talvez pelo fato de estas divisões terem caído em descrédito e realmente significarem muito pouco. Será que os social-democratas ainda podem ser considerados de esquerda? Será que os pós-comunistas não mantêm dinâmicas totalitárias? Será que o engajamento partidário não é alienação?
A falta de orientação da sociedade alemã talvez seja sinal de que certas categorias que permitiam a aglutinação de forças e opiniões deixaram de convencer. Faz muito tempo que elas deixaram de ser funcionais, mas parece que só agora isso se tornou indisfarçável. E na falta do que dizer, silêncio talvez realmente seja a melhor resposta.