Intervenção militar na Síria: retórica ou realidade?
31 de maio de 2012Tudo aconteceu rapidamente: primeiro, uma série de países ocidentais expulsaram os diplomatas sírios de seus territórios. Depois o recém-empossado presidente francês, François Hollande, declarou não excluir a possibilidade de uma intervenção militar, que tenha como base um mandato da ONU para a Síria. Tanto a expulsão dos embaixadores quanto o pronunciamento de Hollande podem ser vistos como uma reação ao massacre de Hula, ocorrido na última sexta-feira (25/05), que deixou um saldo de mais de 100 mortos, em sua maioria executados coletivamente com disparos à queima-roupa.
É de praxe nos círculos diplomáticos deixar sempre margem para interpretações e neste sentido a declaração de Hollande demonstra as devidas artimanhas. Pois diante do fato de que os países ocidentais não excluem uma intervenção, o regime do presidente Bashar al Assad deverá refletir a respeito de quais circunstâncias poderão levar a uma intervenção e quais não. E parte-se do princípio de que o governo sírio deverá também pensar o que deveria fazer para evitar tal situação.
Apelo em diversos sentidos
É bem possível que o pronunciamento de Hollande tenha cumprido sua obrigação em nome dos países ocidentais, ou seja, servir de alerta para que o regime sírio não continue fazendo uso de violência de maneira indiscriminada como vem praticando nas últimas semanas e meses. Além disso, Hollande não deve ter tido em mente apenas o governo da Síria com sua declaração. Suas palavras servem também de apelo à comunidade de países ocidentais e aos governos das nações que vêm apoiando a Síria até agora.
A cientista política Margret Johannsen, do Instituto de Pesquisa sobre a Paz e Política de Segurança da Universidade de Hamburgo, compreende a declaração de Hollande sobretudo como um indício de que, nas Nações Unidas, estão sendo reunidos cada vez mais esforços para acabar com o apoio trôpego da Rússia e da China a Damasco. A última resolução da ONU já deu sinais de que os dois países dão cada vez menos apoio à Síria. De forma que o pronunciamento de Hollande pode ser visto, segundo Johannsen, como "um sinal diplomático forte ao regime de Assad, alertando para o fato de que Damasco está cruzando a linha de tolerância e arriscando, com isso, perder o apoio até agora obtido", diz a especialista.
Desorientação dos países ocidentais
Esta opinião é compartilhada pelo cientista político Bertrand Badie, professor do Instituto de Estudos Políticos, sediado em Paris. Segundo ele, a declaração de Hollande não significa que a França esteja de toda forma disposta a iniciar uma ação militar na Síria, mas sim que esta é uma entre as várias opções possíveis – entre as quais Hollande, a princípio, defende a menos violenta.
De acordo com Badie, as palavras do presidente francês não têm antes por meta uma intervenção real em breve, mas sim a tentativa de provocar mudanças na conduta do governo sírio. E naturalmente isso também é um sintoma da situação difícil, na qual o Ocidente se encontra: "Quando não se sabe que caminho seguir, opta-se pela escalada verbal do conflito. Fala-se de uma intervenção, mas antes para pressionar o destinatário do recado do que de fato para agir", completa Badie.
Hollande declarou também que pretende retirar as tropas francesas do Afeganistão mais cedo do que o originalmente previsto. A opção pela retirada é justificada pelo presidente pelo fato de a presença militar no país não ter trazido os resultados pretendidos. Ou seja, seria um paradoxo, alerta Badie, se Hollande optasse por uma missão militar agora, justamente quando praticamente ninguém mais acredita na eficácia da mesma. "Nesta semana, a Casa Branca declarou considerar baixas as perspectivas de sucesso de uma intervenção militar na Síria", cita Badie.
Margret Johannsen também não acredita que uma intervenção militar seja o melhor para o país. Segundo ela, as nações envolvidas correriam o risco de participar de uma aventura militar de fim incerto. E no caso da queda de Assad, também haveria incertezas quanto à formação de um novo governo. "Na Síria, não há nem ao menos uma oposição unida que possa assumir o poder após o fim da era Assad. O país encontra-se fragmentado e a guerra civil ganha cada vez mais uma conotação religiosa", completa Johannsen.
Intervenção provoca sensação de humilhação
Várias experiências feitas até agora, explica Bertrand Badie, dão sinais contra uma intervenção na Síria. As missões no Iraque, na Líbia, no Afeganistão, mas também na Somália e no Congo, mostraram que a comunidade internacional não domina o instrumento da intervenção multilateral. Logo, é pouco aconselhável inserir as intervenções no arsenal de medidas políticas e diplomáticas disponíveis. Segundo Badie, também na Síria surgiriam problemas insolúveis de ordem diplomática, política e militar.
O presidente Hollande, continua Badie, acaba de cometer o erro de deixar público seu parecer sobre o governo Assad. "Pois no exato momento em que a comunidade internacional definir um regime conseguinte, surgirá entre a população síria um sentimento de humilhação e de estar sob a tutela alheia", analisa o cientista político.
Ou seja, nem mesmo depois do massacre de Hula, Assad deverá, de fato, contar com uma intervenção no país. No entanto, o Ocidente deixa claro que sua paciência está chegando ao fim. Principalmente o distanciamento da Rússia e da China devem estar trazendo uma certa dor de cabeça ao presidente sírio, que deveria apostar mais do que nunca, agora, numa solução diplomática para a crise.
Margret Johannsen acredita que a chamada "solução iemenita", favorecida atualmente pelos políticos alemães e pelos EUA, poderá ser a mais viável. Esta solução prevê que Assad deixe o poder, mas entregue seu cargo a alguém de sua confiança. A tarefa de seu sucessor seria então reiniciar a vida política do país, o que concretamente significa encontrar uma forma de vida na sociedade síria, extremamente dilacerada, através da divisão de poder.
A prova de que isso é possível pode ser vista no vizinho Líbano. "Uma divisão de poder desta espécie já deu provas de sua eficácia. Possivelmente com mais efeitos negativos que positivos, mas mesmo assim a solução pôs fim à guerra civil que assolava o Líbano há 15 anos. É possível que esta não seja uma boa solução, embora seja melhor que uma guerra civil infindável", conclui Johannsen.
Autora: Kersten Knipp (sv)
Revisão: Carlos Albuquerque