Iranianas em revolta contra a humilhação sistêmica
27 de outubro de 2022Donya Rad passou 11 dias na prisão por ter ousado fazer algo com que muitas iranianas sonham todos os dias: sair de casa com roupas do dia a dia, sentar despreocupada num café e pedir um ovo estrelado. Um mês atrás, ela postou uma foto sua com a irmã num café do bairro de Javadieh, área pobre e tradicionalmente religiosa no sul da capital do Irã. E junto a foto a mensagem: "Fizemos uma pequena pausa no trabalho para tomar café da manhã."
No dia seguinte, sua irmã postou no Twitter que Donya havia sido presa. "Pode parecer ridículo para vocês, mas tudo o que queremos é ter uma vida simples e normal", disse à DW a estudante Maryam (nome fictício), de 21 anos, que vive em Teerã. "Meu sonho é poder ir para a universidade com roupas do dia a dia, sair com meus amigos, poder rir e ser feliz, sem ter o medo constante de ser presa."
Luta por direitos fundamentais mínimos
A morte de Jina Mahsa Amini sob custódia policial, em 16 de setembro provocou uma onda de protestos, em grande parte liderados por mulheres, no Irã e em diversos outros países. A revolta e humilhação sistêmica das mulheres desempenham um papel importante nas manifestações. "Essa raiva une as iranianas de todas as esferas da sociedade", afirma a escritora e ativista iraniana Shadi Amin, que vive na Alemanha e participa dos protestos pelos direitos LGBTQ+ e de outras minorias no Irã.
"As iranianas estão lutando por direitos mínimos e fundamentais. O poder do Estado determina não só como elas devem se apresentar em público, mas há mais de 40 anos priva sistematicamente de direitos as cidadãs do sexo feminino. Elas são destituídas dos seus direitos com base na sharia, a lei islâmica, e têm que se submeter. Mas mesmo que cumpram todos os regulamentos e leis, como por exemplo, usar sempre o véu islâmico, elas correm o risco de ser presas e espancadas até a morte, como aconteceu com Mahsa Amini."
A polícia nega ser responsável pela morte da jovem de 22 anos. Quem não acredita na declaração da polícia e se junta aos protestos pacíficos nas ruas corre o risco de ser baleado pelas forças de segurança. Como Ghazaleh Chalabi, de 32 anos. Há uma semana, circulou na internet um vídeo gravado por ela em 21 de setembro, durante uma manifestação em sua cidade natal, Amol, no norte do Irã. Ais 20 segundos, se pode ouvi-la gritando: "Não tenham medo, estamos todas juntas". Então ela é baleada, seu celular cai no chão, e continua gravando imagens de manifestantes gritando e perguntando se ela está viva.
O sonho de uma vida independente
"As mulheres estão cientes da brutalidade das forças de segurança", afirma Shadi, "mesmo assim, elas saem às ruas e protestam. Elas sabem que não terão um bom futuro se o sistema político continuar como está. Elas foram educadas, são bem informadas, e não consideram a desigualdade algo normal." De acordo com dados oficiais, 60% dos estudantes do Irã são mulheres. No entanto a participação feminina no mercado de trabalho é de apenas 15%.
As mulheres estão revoltadas porque, apesar de todos os seus esforços, dificilmente têm chance de levar uma vida independente e autônoma. Além do fato de que as leis baseadas na sharia as tornam cidadãs inferiores e todas as decisões importantes, dependentes da graça do pai ou do marido, as iranianas continuam sendo sistematicamente prejudicadas por causa de seu gênero.
É o que mostra um relatório recente do Fórum Econômico Mundial (WEF). No Gender gap report 2022, o Irã ocupa a 143ª posição entre 146 países, em termos de igualdade entre os gêneros, nas áreas de negócios, educação, saúde e política. A participação das mulheres na política desempenha um papel importante em termos de colocação. O Brasil ocupa o 94º lugar, e a Alemanha, o 10º.
Na República Islâmica do Irã, as mulheres não têm lugar nas estruturas de poder. Elas são proibidas de se tornar líderes religiosas, se candidatar à presidência, participar do sistema judiciário ou participar de órgãos importantes.
"Meus pais querem que eu emigre, assim como as minhas primas", conta a estudante Maryam. "Não seria fácil para eles. Mas eles sabem que aqui a minha vida não será fácil. Muitas iranianas que emigraram são bem-sucedidas no exterior e têm uma vida melhor. Mas eu quero ficar. Quem sabe, talvez o país mude desta vez."