Itinerário pela exposição
16 de julho de 2007Doze monitores de TV mostram imagens diferentes do mesmo: a final da última Copa do Mundo, França contra Itália, no estádio olímpico de Berlim. O cineasta tcheco Harun Farocki reúne diversas formas de registro das três horas em que possivelmente a maior parte do mundo estava sentada diante de um televisor, no dia 9 de julho de 2006.
O imenso aparato televisivo por trás da transmissão dos jogos da Copa do Mundo é o objeto da instalação Deep Play. O orquestramento daquilo que o telespectador assiste é apenas a superfície de um jogo midiático subjacente.
A direção das dezenas de câmeras que registram a partida de múltiplos ângulos, todas as animações computadorizadas que permitem maior agilidade na montagem live do evento, o acompanhamento individualizado dos jogadores de destaque, a imagem exterior do estádio, as câmeras de vigilância, o foco na reação dos técnicos e do banco, os gráficos que sintetizam os dados do jogo. Esta superposição de perspectivas serve para transmitir ao telespectador a sensação "natural" de estar assistindo de perto um evento em tempo real, como se a mídia não existisse.
Constelações de registros
A discrepância entre diferentes registros e sistemas de notação, um objeto de reflexão da arte conceitual da década de 60, também perpassa outros trabalhos recentes expostos na documenta 12. A compositora austríaca Olga Neuwirth contrapõe, na instalação ...miramondo multiplo..., o evento sonoro de uma peça musical, o vídeo de uma partitura sendo escrita e a recitação de textos de Walter Benjamin e Hannah Arendt.
"Os diversos elementos fragmentários", comenta Sandra Schwaighofer, em seu texto para o catálogo da mostra, "parecem estrelas: cada estrela existe por si, tem seu lugar fixo no atlas da vida, mas em sua totalidade elas compõem uma constelação de signos que demonstra a fragilidade do pensar e do escrever e o processo de criação da artista. Mas o universo dela não se perde na infinitude".
Limites culturais do infinito
A coreógrafa norte-americana Trisha Brown, presente na documenta 12 com trabalhos dos anos 1970 e recentes, reflete em performances e desenhos o que leva o livre movimento do corpo a se tornar legível como grafia.
A instalação/performance Floor of the Forest (1970), executada por dançarinos que se revezam durante o período diário de abertura exposição no Friedericianum de Kassel, expõe o corpo humano como função de um sistema cultural. Uma superfície de vestimentas coligadas numa rede suspensa é o terreno instável por onde os dançarinos se movem; a cada deslocamento, a inserção do corpo em um molde: uma calça, uma blusa, um limite real à infinitude dos movimentos.
Em desenhos cegos e em impressões de rastros humanos sobre papel, Trisha Brown reflete a distância entre notação abstrata do movimento e corporalidade do registro. As pegadas de um dançarino sobre o papel são a forma mais imediata de apreensão dos fugidios movimentos da dança, mas não necessariamente tornam legível a coreografia.
Reaprender a falar
A linguagem também se torna corporal na instalação I Hate (2007), da artista britânica Imogen Stidworthy. Um vídeo mostra como um paciente que perdeu a habilidade de falar em um acidente reaprende a articular as palavras com a ajuda de uma fonoaudióloga. A lentidão da pronúncia reiterada da frase "I hate" leva à perda do significado; a frase-exemplo se torna ilegível em meio ao ritmo do treinamento da fala.
O diálogo entre essas obras na exposição de Kassel remete o visitante não apenas para uma preocupação da década de 60 em analisar todas as mídias que processam informações, para revelar a manipulação da nossa percepção pelos aparatos culturais. Mas também algumas questões levantadas pela era digital – como a facilidade de se construir mensagens com recursos intermídia ou a perda de limites reais no mundo virtual – podem encontrar chaves interessantes na abordagem reflexiva desses trabalhos.