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PolíticaAfeganistão

Japão e Coreia do Sul deixam Cabul e observam ações da China

Julian Ryall Tóquio
20 de agosto de 2021

Japoneses e sul-coreanos fecham embaixadas, devem suspender ajuda financeira e acompanham atentos movimentação dos chineses, que declaram querer "desempenhar papel construtivo na reconstrução" do Afeganistão.

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Abdul Ghani Baradar, co-fundador do Talibã, ao lado do ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi
Abdul Ghani Baradar, co-fundador do Talibã, reuniu-se em julho com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang YiFoto: Li Ran/XinHua/dpa/picture alliance

O Japão e a Coreia do Sul fecharam as suas embaixadas em Cabul e retiraram os seus diplomatas e funcionários de apoio que ainda estavam na capital do Afeganistão, depois que o Talibã efetivamente tomou o controle do país nesta segunda-feira (16/08).

Nem Tóquio nem Seul chegaram a enviar militares ao Afeganistão, mas ambos tiveram papel importante na execução de projetos de infraestrutura durante a tentativa de desenvolver o país nas duas décadas de presença dos Estados Unidos e da Otan.

Especialistas avaliam que os projetos de apoio no país agora serão suspensos, até que as políticas e os planos do regime Talibã fique claros, incluindo suas atitudes sobre mulheres e oportunidades educacionais para garotas.

Tanto o Japão como a Coreia do Sul também ficarão atentos às ações do governo chinês, que nesta segunda reconheceu a tomada de poder pelo Talibã após a derrubada do governo anterior.

Uma autoridade do governo chinês manifestou esperança de que o Talibã estabeleça uma estrutura política que ajude a garantir uma paz duradoura no Afeganistão e acrescentou que Pequim "mantém contato e comunicação com o Talibã" e pretende "desempenhar um papel construtivo na paz e na reconstrução do Afeganistão".

Uma grande questão é se Pequim pretende continuar expandindo a sua esfera de influência por meio de grandes projetos de ajuda externa, o que poderia tornar as nações destinatárias cada vez mais dependentes das contribuições chinesas.

A China já estabeleceu uma aliança próxima com o Paquistão, ao buscar uma saída para o Oceano Índico, e o Afeganistão poderia se tornar mais um aliado estratégico importante para Pequim na Ásia.

Apoio do Japão

Desde 2001, o Japão destinou cerca de 6,8 bilhões de dólares (R$ 37 bilhões) em assistência para a reconstrução da infraestrutura no Afeganistão.

Mais 720 milhões de dólares (R$ 4 bilhões) do governo japonês estavam previstos para o Afeganistão na forma de projetos de apoio no período de 2021 a 2024, mas é muito provável que essas transferências agora sejam interrompidas.

"O Japão foi muito ativo com ajuda para reconstruir a infraestrutura, desenvolver a agricultura e outros projetos similares, e é difícil imaginar como isso poderia continuar agora que as organizações de apoio e os funcionários da embaixada se retiraram", diz a professora de ciência política Hiromi Murakami, da Universidade Temple de Tóquio.

"Tóquio provavelmente irá esperar e ver o que os outros governos farão em relação ao engajamento com o novo governo do Talibã, pois o envolvimento do Japão se dá exclusivamente na forma de apoio ao desenvolvimento e não há implicações estratégicas", afirma ela à DW.

O Japão já vivenciou os riscos de implementar projetos de desenvolvimento em um Afeganistão instável. Em 2019, o médico japonês Tetsu Nakamura, diretor da organização Peace Japan Medical Services, foi morto a tiros na região de Jalalabad. Ele estava liderando a implementação de projetos de irrigação para ajudar os moradores locais, e a autoria do seu assassinato foi atribuída ao Talibã.

Afegãos realizam vigília após um médico japonês ter sido assassinado no país
Afegãos realizaram vigília após um médico japonês ter sido assassinado no paísFoto: Getty Images/AFP/N. Shirzada

"Aguardar e observar"

O professor de relações internacionais Stephan Nagy, da Universidade Cristã Internacional em Tóquio, diz que tanto o Japão como a Coreia do Sul irão "aguardar e observar" como o Talibã imporá as suas leis no Afeganistão nos próximos seis meses, antes de decidir retomar os projetos de ajuda e assistência ao país.

"Se o Talibã for moderado nas suas ações e se aprendeu as lições durante a última vez em que governou o país, aí posso ver o Japão pronto para se engajar novamente", afirma.

A situação na Coreia do Sul é mais complicada, pois boa parte da ajuda sul-coreana é fornecida por meio de igrejas cristãs e organizações associadas a elas, que provavelmente não serão bem-vindas pelo Talibã. "No momento não está claro que tipo de governo o Talibã fará, então o momento é de espera", diz.

Se for um governo radical, baseado numa interpretação literal do Alcorão, que nega educação às garotas e restringe a liberdade das mulheres, o Japão e a Coreia do Sul "irão se afastar e levar seus projetos de apoio para outro lugar", afirma.

Ambições regionais da China

Murakami diz que a China, que tem uma fronteira montanhosa de 76 quilômetros com o Afeganistão, poderá tentar aproveitar a tomada do poder pelo Talibã e o provável vácuo de parcerias internacionais com o novo regime.

"Reconhecer o governo do Talibã tão rapidamente foi um movimento forte da China e será interpretado pela comunidade internacional como um desafio", afirma.

"Nos últimos anos, Pequim tem ganhado espaço agressivamente em toda a Ásia e no Pacífico, politicamente, militarmente e por meio de projetos de apoio, e é provável que os chineses tentarão a mesma tática no Afeganistão", diz.

Críticas anteriores feitas por Seul e Tóquio ao Talibã também devem fazer com que os dois países não sejam bem-vistos pelo novo regime em Cabul.

Há não muito tempo, em maio, o Ministério do Exterior do Japão condenou um ataque terrorista a uma escola em Cabul, no qual diversas garotas foram mortas.

No início de agosto, o Ministério do Exterior da Coreia do Sul, que em 2018 doou 2,2 milhões de dólares (R$ 12 milhões) para apoiar "crianças e mulheres vulneráveis no Afeganistão", disse que um ataque ao complexo da ONU em Herat e "episódios de violência que se seguiram" deveriam ser "investigados como um possível crime de guerra".

"O Talibã precisa parar de negar seu envolvimento em violações de direitos humanos e observar o Estado de Direito para investigar e processar as pessoas responsáveis em sua organização", afirmou o ministério sul-coreano.

Um breve resumo da história do Talibã