Empresa italiana criou jogo anti-iPhone para o iPhone
6 de fevereiro de 2012Em uma mina de algum lugar no Congo, crianças seminuas se agacham para extrair da terra, com ferramentas simples, o minério coltan. Se uma criança faz uma pequena pausa, logo chegam, gritando, dois guardas, armados com metralhadoras.
Afinal de contas, o trabalho tem que ser feito rapidamente, pois os fabricantes de celulares necessitam urgentemente do coltan para produzir seus aparelhos. A mina reproduzida no estilo de caricatura é o primeiro nível do jogo para celulares Phone Story. O jogador assume o papel de guarda. Quem conseguir gritar com as crianças trabalhadoras o suficiente prossegue para o próximo nível.
A história de um smartphone
Phone Story mostra de uma forma drástica as condições desumanas de produção dos telefones móveis modernos. O jogador deve maltratar crianças trabalhadoras africanas ou segurar trabalhadores que pulam dos telhados da fábrica em desespero, devido às más condições de trabalho.
Durante o jogo, uma voz de computador explica as condições de produção dos celulares. "Como a maioria dos dispositivos eletrônicos, este celular também foi montado na China, numa fábrica tão grande quanto uma cidade. As pessoas que trabalham nela são frequentemente vítimas de abusos e discriminação. Elas trabalham sob condições desumanas e têm que cumprir horas extras ilegais. Dentro de poucos meses, mais de 20 trabalhadores cometeram suicídio por puro desespero."
A série de suicídios ocorreu em 2010 nas instalações do fabricante de eletrônicos taiwanês Foxconn. A empresa monta, entre outros, o iPhone e o iPad para a Apple.
Deletado da App Store da Apple
A empresa italiana de software Molleindustria foi que trouxe o Phone Story ao mercado em setembro do ano passado. No lançamento, os produtores apelidaram o joguinho como um "anti-iPhone para o iPhone". Os programadores trabalharam em base voluntária, e a receita proveniente da venda na App Store da Apple seriam doadas à Sacom, organização pelos direitos trabalhistas sediada em Hong Kong, e cuja sigla quer dizer "Estudantes Contra o Mau Comportamento Empresarial".
Mas a Apple, fabricante do iPhone, não gostou da brincadeira. Poucas horas após o lançamento, a empresa deletou o jogo na App Store, alegando que Phone Story mostra conteúdo cruel, o abuso de crianças, e argumentando que um aplicativo que coleta doações deve ser gratuito.
Paolo Pedercini, da Molleindustria, considera essa justificativa como uma desculpa. "O jogo contém humor negro e violência, mas sob uma forma estilizada de HQ", explicou Pedercini, em entrevista por e-mail à Deutsche Welle. "O jogo é mais suave do que muitos outros jogos na App Store. O que torna as imagens tão perturbadoras é a conexão que o jogador faz com a situação no mundo real."
Renda dedicada a sobreviventes de suicídio
No curto espaço de tempo em que Phone Story esteve disponível na App Store, ele foi baixado mais de 900 vezes. Desde o bloqueio pela Apple, o jogo só pode ser encontrado no Android Market, do Google. De acordo com Molleindustria, ele já foi baixado cerca de 4.600 vezes. Cerca de 6 mil dólares foram arrecadados desde setembro de 2011, a serem encaminhados à Sacom.
"Phone Story é um um projeto impressionante", diz Debby Chan, da Sacom. "Não é apenas um jogo de computador, é um programa educacional, uma campanha de sensibilização para os consumidores quando compram um smartphone." Chan afirma que o doador quer que a Sacom encaminhe o dinheiro aos sobreviventes das tentativas de suicídio da Foxconn. "E isso é o que vamos fazer."
Phone Story não é o único jogo da Molleindustria. Os programadores já criaram uma série de chamados "jogos radicais", que têm em comum lidarem sempre com um problema político ou social. Em um deles, o jogador tem de gerir redes de fast food, em outros, liderar empresas petrolíferas ou encobrir abusos sexuais na Igreja Católica.
Autor: Christoph Ricking (md)
Revisão: Carlos Albuquerque