Jogos Paralímpicos e o potencial de transformação social
8 de setembro de 2016À medida que é desmontada, a enorme arena de vôlei de praia temporária usada nos Jogos Olímpicos do Rio vai ficando cada vez menor. Mais ao sul do calçadão de Copacabana, a venda de produtos na megastore continua, mas a loja está praticamente vazia. Do lado de fora, a vida voltou ao normal, com adolescentes usando pedaços de madeira para marcar os campos de futebol na praia ou montando redes de vôlei. Pessoas correm ao longo da praia.
E agora os Jogos Paralímpicos vêm para trazer mais mudanças. O evento já foi realizado cinco vezes na América do Norte, mas esta é a primeira vez que a Paralimpíada é realizada na América do Sul – com a participação de 4.300 atletas de mais de 170 países.
Os organizadores consideram um sinal de progresso o fato de o Rio de Janeiro sediar os Jogos, particularmente para os cerca de 30 milhões de portadores de deficiência no Brasil.
A situação dessas pessoas é variada no país. Um dos aspectos positivos é que a Constituição de 1988 define o português e a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como as duas línguas oficiais da nação. O Brasil também foi um dos primeiros signatários da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas, e muitas de suas disposições foram aprovadas e inseridas, no ano passado, na legislação brasileira. Estas incluem questões como o direito à acessibilidade, cotas no mercado de trabalho para portadores de deficiência e o direito de acesso a cães-guia.
Isso tudo parece bom no papel, mas, como salienta Wenzel Michalski, diretor da organização Human Rights Watch na Alemanha, "nas favelas existem milhões de pessoas que podem apenas sonhar com a acessibilidade".
Melhorias na paisagem urbana
Educação, cuidados médicos e boas cadeiras de rodas são, muitas vezes, coisas inatingíveis para portadores de necessidades especiais que vivem em comunidades carentes. Um estudo mostrou que 80% dos portadores de deficiência no Brasil não se sentem devidamente respeitados. E esse número pode crescer já que a desigualdade na sociedade brasileira como um todo está aumentando.
"Queremos que os Jogos Paralímpicos se tornem um momento de virada", diz Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) desde 2009 e vice-presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC). "Para nós, isso é uma revolução."
Parsons destaca uma série de melhorias na paisagem urbana do Rio que deverão beneficiar futuros turistas portadores de necessidades especiais e idosos que utilizam andadores. Há algum tempo, muitos hotéis e museus já têm estrutura para receber portadores de deficiência, e cerca de dois terços dos ônibus do Rio são acessíveis para cadeirantes.
Ascensão e patrocínio
Os brasileiros estão em ascensão no mundo dos esportes adaptados para portadores de necessidades especiais. O CPB recebeu status oficial do governo em 1998 e, em 2001, começou a receber uma parte da arrecadação bruta de todas as loterias federais do país. As emissoras de televisão brasileiras transmitem os Jogos Paralímpicos desde 2004.
Após terminar em 14º no quadro de medalhas nos Jogos Paralímpicos de Atenas (2004), o Brasil alcançou a 9ª colocação em Pequim (2008) e foi o 7º em Londres (2012). Os brasileiros têm também o maior contrato de patrocínio dos comitês paralímpicos mundo afora. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, destina 30 milhões de reais por ano ao CPB.
Defensores da Paralimpíada sempre tendem a apontá-la como algo que poderá contribuir para melhorar as condições de vida dos portadores de necessidades especiais no país anfitrião. Depois dos Jogos de Sydney (2000), o governo australiano alterou os padrões de construções para melhorar a acessibilidade, mas o financiamento para os esportes foi reduzido.
Em Atenas, os visitantes continuam se beneficiando da infraestrutura construída para os Jogos, mas os esportes adaptados para portadores de necessidades especiais continuam lutando por mais verbas. Em Sochi, na Rússia, instalações de excelência foram construídas em 2014 para os Jogos Olímpicos de Inverno, mas têm sido raramente usadas desde então.
Troca de informações
Sobre Pequim (2008), a alemã Verena Bentele, ex-biatleta e 12 vezes medalhista em Jogos Paralímpicos, diz que "continua ouvindo que os portadores de necessidades especiais na China [que sediou os Jogos de 2008] são mais visíveis do que eram no passado".
"Mas seria bom documentar esse desenvolvimento de forma mais detalhada. É preciso que haja um intercâmbio contínuo de informações entre federações esportivas e cidades-sede. Isso beneficiaria os futuros anfitriões", acrescenta Bentele, que foi nomeada comissária do governo alemão para assuntos relativos aos portadores de necessidades especiais.
O Brasil ainda tem um longo caminho pela frente em relação aos portadores de deficiência. Alguns questionam o grande custo de sediar Jogos Paralímpicos enquanto portadores de necessidades especiais que vivem em favelas têm dificuldades de circular e, até mesmo, de sair de suas casas.
Entretanto, Parsons destaca a construção de um novo centro de treinamento paralímpico, em São Paulo, que foi recentemente inaugurado, abriga 15 modalidades diferentes e que pode ser usado para a reabilitação de vítimas de acidentes. "Queremos abrir este centro para atletas de outros países da América Latina", afirma.
O CPB também está organizando uma das maiores competições estudantis do mundo no setor. Nos últimos meses, dezenas de professores de esporte receberam treinamento em como lidar com atletas portadores de necessidades especiais. E tais medidas provavelmente não teriam sido tomadas se o Brasil não fosse o anfitrião da Paralimpíada de 2016.