Julgamento da Irmandade Muçulmana ameaça elevar violência no Egito
9 de dezembro de 2013A Irmandade Muçulmana enfrenta a maior onda de processos em suas mais de oito décadas de história. Sob clima de tensão, o julgamento começou nesta segunda-feira (09/12), com mais de dois mil prisioneiros, dezenas de réus e acusações que vão de corrupção a ameaças de morte e traição. Em setembro, uma corte do Cairo ordenou a dissolução da organização islamista, cujas lideranças são agora o alvo das ações do governo.
O líder da Irmandade Muçulmana, Mohammed Badie, e o estrategista-chefe da organização, Khairat el-Shater, já haviam sido levados a tribunal no início de novembro, no Cairo. Na ocasião, os juizes decidiram retirar o processo, que agora está sendo retomado.
Diversos membros do grupo islamista foram acusados de incitação à violência e de posse ilegal de armas. Analistas especulam que deverá haver ao menos uma dúzia de processos e mais de uma centena de réus, muitos dos quais poderão ser condenados à morte.
Razões políticas
Entre a população, aumenta o receio de que os julgamentos possam resultar em mais confrontos entre os apoiadores da Irmandade Muçulmana e as forças de segurança do governo. Nesta segunda, foram registrados novos embates, com dezenas de detidos.
O analista político Hassan Abu Taleb, do instituto de pesquisa Al-Ahram (ligado ao governo), defende que é importante que os procedimentos jurídicos sejam realizados dentro dos prazos estipulados. "Se o Estado decidir paralisar os processos, isso significará uma vitória da Irmandade Muçulmana e de sua estratégia extorsiva. Seria uma clara indicação da fraqueza do governo", observa.
Apoiadores dos islamistas, porém, alertam que os julgamentos poderão ser apenas meras encenações, o que também é a preocupação de ativistas dos direitos humanos no país. Eles criticam não apenas as acusações que colocam a organização como um grupo terrorista internacional, mas também denunciam não haver auxílio legal suficiente para os acusados.
Um dos advogados que deveria defender o ex-presidente Morsi deixou o país após sofrer ameaças. Muitos outros juristas ligados à Irmandade Muçulmana estão presos. Como consequência, alguns dos réus mais proeminentes se recusam a cooperar com as investigações.
A quantidade de réus da Irmandade Muçulmana é maior do que o número de apoiadores de Hosni Mubarak processados após a queda do regime, em 2011. As acusações também são mais graves. Por esse motivo, observadores entendem que os julgamentos servem prioritariamente a objetivos políticos.
O advogado especializado em direitos humanos Ahmed Usman vê nisso a continuação da disputa de poder entre islamistas e militares. Segundo ele, a motivação dos julgamentos é, em grande parte, a vingança. Seria a disputa, afirma, entre "um grupo que quer o poder e outro que tenta destruí-lo".
Difícil reconciliação
No entanto, oponentes e apoiadores da Irmandade Muçulmana parecem concordar que os julgamentos não vão trazer qualquer contribuição significativa a uma possível reconciliação entre campos políticos cada vez mais opostos.
Ativistas pressionam por um processo de transição semelhante ao modelo dos países da América Latina nos anos 1980, que venha permitir um processo independente de investigação dos crimes cometidos tanto no regime de Mubarak quanto no de Morsi.
Hassan Abu Taleb, um dos defensores desse modelo, explica que "uma comissão deve se responsabilizar pela elaboração e aprovação de uma legislação especial que possa delinear os passos a serem tomados para viabilizar o processo de reconciliação."
O novo governo estabeleceu em julho um ministério para a transição e reconciliação nacional, mas sua atuação ainda não foi definida.