Lava Jato chega ao setor elétrico
29 de julho de 2015O novo alvo da Lava Jato é a Eletrobras, a gigante do setor elétrico e responsável por mais de um terço da energia produzida no Brasil. Na terça-feira, a Polícia Federal deflagrou a 16° fase da operação, batizada como "Radiotividade", e prendeu Othon Luiz Pinheiro da Silva, o presidente licenciado da Eletronuclear, uma das 15 subsidiárias da estatal.
Segundo o Ministério Público Federal, o vice-almirante Silva é suspeito de ter recebido 4,5 milhões em propina das empreiteiras responsáveis pela construção da usina nuclear de Angra 3 por meio de várias empresas intermediárias. Ele estava afastado da Eletronuclear desde abril, quando surgiram as primeiras denúncias.
Além de Silva, a PF também prendeu o presidente da unidade de negócios de energia da Andrade Gutierrez, Flavio David Barra. Outros cinco executivos de quatro empreiteiras foram conduzidos pela PF para prestar depoimento.
Orçada em 14,9 bilhões de reais, Angra 3 está sendo construída pelo consórcio Angramon, formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa, UTC, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Techint e EBE – todas já eram suspeitas de envolvimento com fraudes na Petrobras.
Segundo despacho do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, Silva recebeu o dinheiro por meio de uma empresa que estava em seu nome, a Aratec Engenharia, Consultoria & Representações, que é suspeita de ter funcionado com o objetivo de canalizar propinas.
Ainda de acordo com o documento, em um dos casos, a Andrade Gutierrez usou outra empresa intermediária, chamada CG Consultoria, para operar o esquema. Entre 2009 e 2012, a empreiteira transferiu 2,9 milhões para a CG, que, por sua vez, repassou quase a mesma soma para a Aratec entre 2009 e 2014.
Em outros casos, as a UTC, a Camargo Corrêa e a Techint realizaram pagamentos diretos de 1,19 milhão para a Aratec. Segundo o juiz, esses pagamentos configuram um conflito de interesse, já que Silva era responsável pela obra da usina.
De acordo com o MPF, a Lava Jato estendeu as investigações para a Eletrobras após uma delação de Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa, em que ele revelou que o esquema de corrupção na Petrobras se expandiu para os contratos de construção de Angra 3.
A obra da Usina de Angra 3, planejada ainda nos anos 1970, teve as obras paralisadas em 1986. Ela foi reiniciada em 2009 durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. À época, a previsão era que fossem gastos 7 bilhões de reais e que a usina ficaria pronta em 2015. O valor acabou dobrando, e a previsão de entrega foi sendo adiada. A última previsão, anterior a dezembro – quando ocorreu mais uma paralisação – era de que a usina fosse concluída em 2018.
Angra 3: seguidos atrasos
A construção da usina faz parte do âmbito do velho Acordo nuclear Brasil-Alemanha, que remonta aos anos 70 e que foi acertado entre o regime militar e o governo da Alemanha Ocidental.
A vigência inicial desse tratado era de 15 anos, com a possibilidade de ser prorrogado automaticamente por períodos de cinco anos caso não seja encerrado por nenhuma das partes com pelo menos um ano de antecedência. Desde então, o acordo foi prorrogado cinco vezes e vai ser renovado por mais meia década em novembro de 2015.
Em outubro do ano passado, antes de o prazo de um ano, o acordo gerou debates no Parlamento alemão, quando o Partido Verde apresentou uma moção pedindo a sua anulação.
Na ocasião, deputados da oposição denunciaram o acordo alegando que a cooperação nesse setor não condiz com a atual política alemã de mudar sua matriz energética e desligar todas as usinas nucleares do país.
No entanto, o pedido acabou sendo rejeitado quando a coalizão do governo, formada pela União Democrata Cristã (CDU) e pelo Partido Social-Democrata (SPD), votou contra a moção.
O acordo assinado em 1975 previa a transferência de tecnologia e a construção de oito usinas nucleares no Brasil com projeto e equipamentos da Siemens-KWU.
Só que o plano começou a fracassar por causa das sucessivas crises econômicas no Brasil e pelo desinteresse brasileiro, que acabou criando um programa paralelo de enriquecimento de urânio em 1979.
Pouco depois da assinatura do tratado, os EUA pressionaram os alemães a não fornecerem tecnologia que permitisse ao Brasil dominar o ciclo completo de enriquecimento. Como consequência, os alemães acabaram fornecendo um método de enriquecimento mais básico, o que acabou provocando insatisfação entre os militares.
Das oito usinas, apenas a de Angra 2 chegou a ser concluída por meio do tratado – a usina nuclear de Angra 1 não integrou o acordo, sendo construída pela firma americana Westinghouse.
Detido nega propina
A trajetória do vice-almirante Silva, de 76 anos, se confunde com todos esses projetos. Considerado um ícone na comunidade científica brasileira, Silva se envolveu com o programa nuclear brasileiro ainda na década de 70, quando estudou tecnologia no Massachussetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.
Em 1979, ele foi um dos fundadores do programa secreto de desenvolvimento de centrífugas para a Marinha, que visava justamente criar uma alternativa aos métodos de enriquecimento de urânio fornecidos pela Alemanha. O programa foi bem-sucedido e permitiu o desenvolvimento da tecnologia 100% nacional de enriquecimento do urânio pelo método de ultracentrifugação.
Os detalhes do projeto só foram revelados após o fim do governo militar e foram mantidos longe da supervisão da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA) por quase uma década. No mesmo período, Silva também serviu como diretor de pesquisas de reatores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), entre 1982 e 1984
Em 2005, o presidente Lula convidou Silva para assumir a presidência da Eletronuclear. Em abril deste ano, quando denúncias sobre irregularidades na construção de Angra 3 foram divulgadas, ele se licenciou da subsidiária. Ele negou publicamente ter aceitado propina.