Lavagem de dinheiro é um problema mundial, diz especialista
19 de junho de 2006De 19 a 23 de junho de 2006 reúne-se em Paris o Grupo de Ação Financeira (Gafi), também conhecido pela sigla inglesa FATF (Financial Action Task Force). O Gafi é um organismo intergovernamental que tem por objetivo conceber e promover, em nível nacional e internacional, estratégias de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Do Gafi participam, entre outros, o Brasil e a Alemanha.
Por ocasião da reunião plenária do Gafi, a DW-WORLD entrevistou o professor Hans-Jörg Albrecht, diretor do departamento de Direito Penal Estrangeiro e Internacional do Instituto Max Planck, em Freiburg.
DW-WORLD: O que significa lavagem de dinheiro?
Hans-Jörg Albrecht: Lavagem de dinheiro é, em poucas palavras, a tentativa de dar um aspecto legal aos ganhos obtidos através de crimes (tráfico de drogas, roubo de carros, entre outros). Por isso, os elementos constitutivos de um delito da lavagem de dinheiro são descritos geralmente da seguinte forma: "Passível de punição está aquele que oculta um objeto proveniente de um ação criminosa ou sua origem (a ação criminosa)".
Estes elementos constitutivos diferem de país para país. A diferença está sobretudo nos chamados delitos-meio, os delitos de onde provém o dinheiro a ser lavado. O ponto de partida para o combate à lavagem de dinheiro foi o crescimento do tráfico internacional de drogas na década de 1980. Na Convenção contra o Tráfico Ilícito de Drogas de Viena, em 1988, a persecução legal da lavagem de dinheiro obtido com o tráfico de drogas foi ratificada pela primeira vez pelos países participantes.
Bastante debatida é a questão da sonegação de impostos como delito-meio para lavagem de dinheiro. Pois é interesse do sonegador que o dinheiro não declarado volte a circular no mercado financeiro como se já houvesse sido taxado. Da mesma forma, acontece com o financiamento ilegal de partidos políticos, o chamado "caixa dois".
Quais são as formas usuais de lavagem de dinheiro?
Se lavar dinheiro é dar-lhe a aparência de resultado de um processo econômico legal, este fenômeno se constituirá principalmente em encontrar uma explicação plausível para a existência do dinheiro na conta e desvencilhá-lo do ato criminoso onde teve origem. Uma das principais tarefas da lavagem de dinheiro está no contorno do controle legal [Na Alemanha, os bancos têm obrigação de identificar a origem e os depositantes de quantias superiores a 15 mil euros].
Como a lavagem de dinheiro está ligada a grandes quantias, a divisão desta quantia em pequenas transferências ou depósitos bancários é um dos primeiros passos para que o dinheiro volte ao ciclo financeiro. Cada vez mais, as chamadas "formas alternativas de transferência", fora do sistema bancário passível de controle, ganham importância no fenômeno da lavagem de dinheiro: investimento em firmas, que declaram este dinheiro como lucro; firmas fictícias e negócios simulados; realização de empréstimos; depósitos em contratos de seguros de vida.
Qual é a relação entre lavagem de dinheiro e criminalidade?
Primeiramente, lavar dinheiro já é um crime. Em segundo lugar, este dinheiro vem a elevar o poder de grupos criminosos e, finalmente, deve-se salientar que o dinheiro lavado pode levar grupos criminosos a ter grandes vantagens na economia legal.
O especialista fala ainda sobre a relação entre a lavagem de dinheiro e criminalidade, terrorismo e América Latina.
Quem são os principais autores dos crimes de lavagem de dinheiro na Alemanha?
As estatísticas do Departamento Federal de Investigações (BKA) mostram que os principais suspeitos têm nacionalidade alemã (cerca de 50%). Os outros são de diversos países. A divisão das nacionalidades reflete o envolvimento destes países com o mercado negro (América do Sul, Turquia, Oriente Médio: tráfico de drogas). A composição das nacionalidades varia conforme o delito.
Houve um endurecimento na legislação do combate à lavagem de dinheiro após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001? Qual foi o papel do dinheiro lavado nestes atentados?
A legislação foi intensificada após o 11/09 na medida em que a legislação sobre o terrorismo também foi intensificada. Aqui se mostram alguns paralelos, mas somente paralelos, com a lavagem de dinheiro. Enquanto esta tem como objetivo principal ocultar a origem do dinheiro, o financiamento do terrorismo tenta utilizar dinheiro não suspeito (de doações, por exemplo) para praticar atos terroristas.
A FATF cuida deste assunto. O problema principal é que mesmo o grande terrorismo (11/09) precisa de pouco dinheiro para atuar, o que dificulta uma persecução legal centrada no financiamento de tais atos.
Qual o volume de dinheiro lavado em circulação?
Não se pode definir seriamente o volume de dinheiro lavado. Depende dos ganhos criminosos originários dos diversos delitos. E mesmo aí existem somente possibilidades isoladas (trabalho ilegal, sonegação de impostos) de quantificação. A avaliação do volume do tráfico de drogas refere-se somente a algumas estimativas (número de consumidores, quantidade de droga consumida, preço da droga em diferentes níveis do tráfico, quantidade de lucro, parcela de lucro que é reinvestida etc.).
Os dados existentes, referentes à lavagem de dinheiro ou ao seu lucro, não são nada mais do que dados de mobilização para atrair, muitas vezes de forma grotesca, a atenção e o apoio político.
O senhor conhece a situação da América Latina quanto à lavagem de dinheiro? Existe lavagem de dinheiro alemão ou europeu naquela região?
Lavagem de dinheiro acontece em todos os lugares, principalmente onde o sistema de controle bancário e securitário é ineficiente ou mantido assim por razões político-econômicas. A América Latina é uma das regiões (Colômbia, Bolívia, por exemplo) onde se pode falar de lavagem de dinheiro, pois é lá que o tráfico de cocaína tem sua origem, e é lá que os lucros provenientes do tráfico de drogas são reinvestidos.
De resto, a preferência para a lavagem de dinheiro alemã e internacional ainda recai nos clássicos paraísos fiscais e financeiros e nos sistemas bancários offshore.