Há alguns anos, o partido de ultradireita AfD (Alternativa para a Alemanha) resolveu fazer uma campanha "engraçadinha" (no mau sentido) e espalhou pelo país cartazes com imagens estereotipadas da Alemanha e dos muçulmanos. Num dos cartazes, uma foto de mulheres jovens de biquíni era acompanhada do texto "Burca? Nós gostamos de biquínis!". Em outro, os olhos de uma mulher usando burca eram seguidos da frase "a liberdade das mulheres não é negociável".
Quem via sem prestar atenção talvez não percebesse o quanto aqueles cartazes eram xenófobos e até poderia comprar a ideia de que eles eram um pouco feministas. Quem não te conhece, que te compre. O partido, além de xenófobo, é extremamente conservador.
Lembrei desses cartazes do partido cuja co-líder Alice Weidel foi reeleita para o cargo no fim de semana passado ao ver o sucesso eleitoral de outra mulher da ultradireita na Europa. Falo, claro, de Marine Le Pen, cujo partido, o RN (Reunião Nacional), venceu o primeiro turno da eleição parlamentar na França no domingo passado (30/06), com 33% dos votos. O resultado parcial (o final será definido no próximo domingo, no segundo turno) assustou a parte democrática e humanitária da Europa e do mundo. Afinal, não é nada legal ver o crescimento da ultradireita no continente, o que indica que o ódio, a xenofobia e o racismo estão crescendo a níveis alarmantes.
E isso não acontece só na França. Na eleição para o Parlamento Europeu, a AfD teve 16% dos votos, o que significa que eles cresceram quase 50% desde a última eleição europeia, em 2019.
Weidel e Le Pen têm muito em comum. Elas representam, junto com Giorgia Meloni, a primeira-ministra da Itália, do partido Irmãos da Itália, a ascensão de mulheres a cargos de lideranças em partidos da ultradireita europeia. E têm feito sucesso, o que lamento.
Le Pen e outras líderes femininas dessa direita radical demonizam imigrantes e usam xenofobia travestida de luta pelo direitos das mulheres para espalhar ódio e ganhar votos. As mulheres europeias, segundo esses partidos, precisam ser protegidas de "estrangeiros estupradores e agressores". Na narrativa da ultradireita europeia, homens, principalmente muçulmanos e refugiados, são, todos, uma ameaça às mulheres, o que não é verdade.
Se existe violência de imigrantes na Europa? Existe, sim. Mas os números mostram que o maior perigo para as mulheres ainda são os próprios europeus.
Na Alemanha, segundo dados do Ministério do Interior, 133 mulheres foram mortas por seus parceiros ou ex-parceiros em 2022, ou seja, por pessoas que elas conheciam intimamente.
No caso da França, a pauta de que só os estrangeiros colocam mulheres em risco também não se sustenta. Segundo dados do Ministério do Interior, em 2022, 118 mulheres foram vítimas de feminicídio no país. O número de tentativas de assassinatos de mulheres por parceiros aumentou 45%. O perfil típico do autor, segundo o ministério, é, em sua maioria, formado por homens de nacionalidade francesa, com idades entre 30 e 49 anos.
Suavizada na imagem
O sucesso das líderes da ultradireita não se deve só às pautas xenófobas e anti-imigração. Segundo estudiosos, mulheres como Le Pen, Meloni e Weidel também ajudam a dar uma "suavizada" na imagem da ultradireita. Afinal, essas mulheres são muito diferentes de misóginos grosseiros como os ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro. Isso atrai votos de mulheres, que costumam votar menos do que os homens na ultradireita. No Brasil, esse papel tem sido cumprido por Michele Bolsonaro, muito mais articulada que o marido.
No caso da França, o perfil de eleitores já mudou. Em 2019, a ultradireita teve 19% dos votos femininos na eleição do Parlamento Europeu. Em 2024, esse número subiu para 30%.
Não digo que Le Pen, Weidel e Meloni estejam sendo manipuladas. Acho que elas acreditam mesmo no que pregam. E que são muito perigosas para o mundo e para a democracia.
Mas, confesso, me dói mais ver uma mulher líder da ultradireita do que um homem. Afinal, somos um grupo que ainda tem que lutar por pautas básicas, como igualdade salarial, por exemplo. Somos a parte que costuma se dar mal no mundo. E me dói, sim, ver pessoas que são historicamente oprimidas lutando para oprimir outras pessoas (principalmente imigrantes e estrangeiros, no caso). Mas, como disse um amigo: "Caráter não tem gênero".
E não, gente, nós, mulheres, não precisamos ter "sororidade" com mulheres de ultradireita. Sororidade é sobre ser companheira e tentar entender o lado de mulheres ao nosso redor. Mas existem mulheres que não estão do mesmo lado que nós e que representam ideias que precisam ser combatidas. Simples assim.