'Lei de Acesso'
26 de outubro de 2011O projeto de lei é de autoria do deputado Reginaldo Lopes, do Partido dos Trabalhadores, e está em tramitação no Congresso brasileiro desde abril de 2010. A lei aprovada nesta terça-feira (25/10) pelo Senado restringe a apenas uma o número de prorrogações permitidas para o sigilo de documentos considerados ultrassecretos.
De acordo com o texto, que agora segue para sanção da presidente Dilma Rousseff – que não deverá alterar o texto –, o sigilo de documentos públicos poderá durar, no máximo, 50 anos. As informações poderão ser solicitadas por qualquer cidadão, e o órgão responsável terá um prazo de 20 dias para dar uma resposta. Para os documentos classificados como secretos, a lei prevê prazo de 15 anos de sigilo, e os reservados terão prazo de cinco anos.
A versão original da lei enviada ao Congresso pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva previa a possibilidade de prorrogações sucessivas do prazo de 25 anos de sigilo dos documentos classificados como ultrassecretos. Durante as discussões da Câmara, os deputados votaram pela alteração do texto, impondo o limite de uma única prorrogação.
Antes da aprovação da nova lei, os documentos públicos considerados ultrassecretos podiam ficar em sigilo por 30 anos, com possibilidade de renovação ilimitada desse prazo.
Tradição de cultura opaca
Fernando Rodrigues, jornalista e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, avaliou, em entrevista à Deutsche Welle, que o maior benefício da aprovação da lei é que "ela estabelece como valor a transparência, e não o segredo. Então todos os órgãos e entidades públicas do Brasil passarão a ter a transparência como norma, e não como exceção".
Em entrevista à Deutsche Welle, o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Ricardo Caldas disse que a aprovação da lei revela uma ligeira mudança na cultura política brasileira e lembra a Lei Complementar nº 131 de 2009, chamada de "Lei da Transparência". Ela obriga que todas as contas das três esferas de governo e dos Três Poderes sejam publicadas na internet em tempo real. "A nossa cultura no Brasil, em geral, ainda é uma cultura opaca, não é uma cultura de transparência", observou Caldas.
Sobre o empenho que a presidência demonstrou ao fazer pressões pela aprovação da lei, Ricardo Caldas diz que "a presidente Dilma está querendo se distinguir dos demais, tanto do governo Lula, quanto do governo Fernando Henrique, deixando a marca dela na questão do combate à corrupção".
Capacitação dos servidores
O maior ganho, segundo Caldas, foi ter, por um lado, colocado a corrupção no centro da agenda pública e, como consequência, ter motivado todos os movimentos de rua registrados nos últimos meses em várias cidades no país.
A Lei de Acesso a Informações Públicas também determina a realização de campanhas de esclarecimento e cursos de capacitação para todos os servidores públicos. Segundo Fernando Rodrigues, essa capacitação servirá para mudar uma "cultura da opacidade, do segredo" que, segundo ele, prevalece no Brasil e na maioria dos países latino-americanos. "A lei pode ser apenas o primeiro passo, depois a grande dificuldade será mudar os valores que existem no serviço público brasileiro", completou Fernando Rodrigues.
A intenção da presidente Dilma Rousseff era ter sancionado a lei no dia 3 de maio último, data e que se celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Mas resistências a alguns aspectos da nova lei atrasaram os planos do governo. Em uma das celebrações da data, em Brasília, o representante da Unesco no Brasil, Vincent Defourny, disse que diversos setores da sociedade esperam que o Brasil cumpra a promessa de conseguir ter "um mídia livre, independente e plural e um governo que promova e proteja o direito de acesso às informações públicas".
Pontos controversos
O senador Fernando Collor de Mello, presidente da última comissão do Senado brasileiro que analisou a questão antes da aprovação em plenário, pediu mais tempo para analisar pontos específicos da lei. Nos bastidores, Collor de Melo foi pressionado diretamente pelo governo, mas resistiu. Ele defendia o estabelecimento de exceções, com possibilidade de prorrogações ilimitadas, em casos de documentos ultrassecretos ou cujo sigilo fosse indispensável à segurança da sociedade e do Estado brasileiro.
Um dos pontos controversos é a designação do órgão responsável pela fiscalização e efetiva aplicação da nova lei. Alguns setores argumentaram que a falta de um órgão independente poderá prejudicar ainda mais a aplicação efetiva do dispositivo.
Fernando Rodrigues argumentou que ele mesmo também havia defendido a criação desse conselho independente, mas diz que "a lei contém dezenas de outros dispositivos inéditos no mundo inteiro".
Como exemplo, ele cita a obrigatoriedade de todos os órgãos públicos de todas as cidades, dos estados e do governo federal, publicarem, uma vez por ano, uma lista detalhada contendo todos os documentos públicos que foram colocados em sigilo. Rodrigues considera que, "embora não exista um órgão regulador, o fato de a lei obrigar todos os organismos a fazerem esse tipo de acompanhamento, colocará nas mãos dos cidadãos fazerem eles próprios o acompanhamento da aplicação da lei".
Tendência mundial
Com a nova lei, o Brasil passa a fazer parte de um grupo de cerca de 90 países que têm leis semelhantes. Fernando Rodrigues comenta que a aprovação da lei é sinal do amadurecimento da democracia brasileira: o Brasil chega com certo atraso ao grupo de países que já têm a lei, mas com a vantagem das peculiaridades.
Segundo ele, "diferentemente do México, dos EUA, do Chile, de vários países que já têm a legislação, no Brasil a lei vai ser aplicada nos três poderes da República e nos três níveis de governo – cidades, estados e municípios. Trata-se de uma lei de abrangência inaudita".
Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil, parabenizou o país. Em declaração, disse que, com a aprovação da lei, "o Brasil reafirma seu compromisso com a transparência, o governo aberto e o direito humano à informação". Agora, segundo Defourny, o momento é de celebração e de arregaçar as mangas, pois a implementação da lei exige "uma estratégia robusta", já que implicará uma "significativa mudança cultural na administração pública".
Autora: Ericka Galindo
Revisão: Augusto Valente