Livro de Houellebecq inflama debate sobre o islã na França
7 de janeiro de 2015O recém-lançado romance de ficção política de Michel Houellebecq já desencadeia debates furiosos na França. Em suas 300 páginas, o autor nacional vivo mais vendido no estrangeiro esboça o retrato de seu país sob o governo do fictício líder de um partido islâmico.
Em 2022, ao fim de um segundo mandato de François Hollande, a alternativa política dos franceses se restringe à Frente Nacional (FN), de extrema direita, ou ao poder religioso. No segundo turno do pleito presidencial, Mohammed Ben Abbes, candidato da "Fraternidade Muçulmana", derrota Marine Le Pen, da FN, graças a uma aliança tanto com os socialistas como com a centro-direita.
A França do romance se encontra profundamente conturbada – assim como o narrador, o professor universitário François, um nihilista que se converteu à fé maometana. Por oportunismo, a fim de conservar seu posto na "Universidade Islâmica de Paris-Sorbonne"; mas também atraído pelas perspectivas eróticas da poligamia.
Conexão com atentado?
Soumission (Submissão) chegou às livrarias francesas nesta quarta-feira (07/01), com uma tiragem inicial de 150 mil exemplares, significativa para o mercado nacional. A publicação das traduções alemã e italiana está programada para meados de janeiro, mas ainda não há data prevista para uma versão em língua inglesa nem em português.
O título se refere a uma das acepções da palavra "islã": submissão ou obediência a Alá. Pirateado antes mesmo do lançamento, o sexto romance de Houellebecq gerou uma avalanche de comentários sem precedentes, na imprensa e nas redes sociais, sendo classificado desde "sublime" a "irresponsável".
Embora ainda não haja qualquer indício de uma conexão direta entre o lançamento literário e o atentado à redação do semanário Charlie Hebdo, em Paris, que matou pelo menos 12 pessoas, a capa da edição atual da publicação é, justamente, Soumission. Uma caricatura mostra o autor. Ao lado está escrito: "As previsões do mago Houellebecq: Em 2015, eu perco os meus dentes... Em 2022, eu faço ramadã!"
Provocação, apatia, profecia
Nos últimos anos, a França vem enfrentando o desafio da integração de sua população muçulmana, a maior da Europa, estimada em 10% dos 65 milhões de habitantes do país. Hollande assegurou que será um dos leitores de Soumission "porque está em debate". Ao mesmo tempo, apelou aos franceses para que não se deixem "devorar pelo medo".
Em editorial, o jornal de esquerda Libération acusa o escritor de justamente brincar com os temores anti-islâmicos e de "adubar as ideias da Frente Nacional". Na mesma linha, o conservador Le Figaro enfatiza o fato de o protagonista da ficção se arranjar com uma "visão de futuro que faz pensar num pesadelo". "Houellebecq não sente simpatia por ninguém, antes indiferença. Essa apatia é o reflexo do esgotamento de nossa própria sociedade."
Por sua vez, o Observatório Nacional contra a Islamofobia, integrante do Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM), deplorou incondicionalmente a abordagem do romance: "Suscitar pseudodebates nas mídias sobre a chegada hipotética ao poder, num futuro próximo, de um partido muçulmano [...] só pode favorecer a expansão dos sentimentos islamofóbicos no seio da sociedade francesa."
Para o também autor Emmanuel Carrère, em contrapartida, Soumission é "um livro sublime, de uma extraordinária consistência romanesca", e as "antecipações" de Houellebecq integrariam a "família dos romances proféticos do século 20: 1984, de George Orwell, e Admirável mundo novo, de Aldous Huxley".
"O que dá medo é o que vem antes "
O tão polêmico quanto fleumático autor de 58 anos define seu processo de criação como uma "aceleração da história". "Eu condenso uma evolução, na minha opinião, verossímil", o que não seria uma provocação, "na medida em que não digo coisas que considere fundamentalmente falsas só para irritar".
Após o lançamento, Houellebecq se defendeu das acusações de islamofobia: "Não acho que isso seja flagrante. A parte do romance que dá medo é sobretudo aquela antes da chegada dos muçulmanos ao poder."
Afirmando-se "neutro", ele rechaçou que tenha "dado um presente" a Marine Le Pen: "Não conheço ninguém que tenha mudado suas intenções de voto depois de ter lido um romance." Na segunda-feira, a presidente da populista FN declarara que Soumission é "uma ficção que um dia poderá virar realidade".
AV/afp/dpa