Longevidade exige preparos para enfrentar quarta idade
20 de janeiro de 2006Tanto na Alemanha como no Brasil, a expectativa média de vida está em crescimento constante. Na Alemanha, ela nunca foi tão alta como agora: 78 anos, enquanto a do Brasil gira em torno dos 72 anos. O aumento da longevidade até já criou um termo novo entre os gerontólogos: a "quarta idade". E outro dado interessante: mais de 16% da população alemã tem mais de 65 anos. Por outro lado, o número de pessoas com mais de 65 anos é maior do que o de jovens com menos de 15.
Este envelhecimento da sociedade envolve várias preocupações, que vão desde a formação de profissionais até a preparação das pessoas para seu envelhecimento. A psicóloga brasileira Mariana Kranich, de 40 anos, mora há quase 15 na Alemanha, onde se especializou em Psicogerontologia na Universidade de Erlangen-Nurembergue. Segundo ela, tanto no Brasil como na Alemanha, o ideal continua sendo o da juventude.
"Basta ver o mercado de trabalho. As pessoas que perdem o emprego na Alemanha aos 50 anos quase não têm chance de encontrar uma nova ocupação. Mas, pelo fato de na Alemanha haver mais idosos, é mais comum encontrá-los no dia-a-dia, andando de bicicleta ou fazendo as próprias compras. Eles são bem mais independentes do que no Brasil", comenta Mariana.
Profissional especializado no cuidado de idosos
Ela dá cursos a pessoas que trabalham em asilos, preparando-as sobre temas como a demência. "Até há pouco tempo, aos moradores de asilos ainda eram bastante ativos. Moravam lá, mas faziam compras ou saíam para o teatro à noite. Hoje, os asilos – que no Brasil também chamamos de clínicas ou casas de repouso – são locais onde a maioria dos moradores precisa de cuidados especiais. Mais da metade sofre de demências, como a doença de Alzheimer. Apenas a metade das pessoas que lá trabalham têm formação profissional, que é o enfermeiro para pessoas idosas (Altenpfleger)".
Segundo Mariana, é importante lembrar que Alzheimer é uma demência degenerativa em que as pessoas perdem a memória: "Isso faz com que seu comportamento mude muito, não correspondendo mais ao que nós esperamos de uma pessoa adulta. Para todos nós, é quase inadmissível que alguém não consiga memorizar nada. Temos que aprender a lidar com isso, sem ficar nervosos ou agressivos".
Uma pessoa com demência não se adapta mais ao ambiente à sua volta. Quem a cerca é que tem de se adaptar. Para Mariana, uma questão complicado da deficiência da memória é que ela não é identificável na apresentação externa do paciente.
"Muitas vezes, a pessoa até faz de conta que não sofre do problema, o que dá a sensação às pessoas a sua volta que o paciente faz isso de propósito", narra a psicóloga especializada em idosos. Para encarar o problema, ela sugere que as pessoas busquem informações sobre a doença e seus sintomas. E que, acima de tudo, sejam compreensivas.
Idosos alemães são mais individualistas
A maioria dos idosos alemães continua morando em suas casas. Embora vivam sozinhos, dispõem de uma boa infra-estrutura perto de seus lares para compras, lazer ou atendimento médico. Existe inclusive um serviço de entrega de refeições em casa. Também há projetos inovadores, como condomínios em que idosos convivem com casais jovens e crianças, destaca Mariana.
Ao enfocar as características dos alemães, a especialista afirma que a individualidade – e de certa forma até mesmo o individualismo – faz com que muitos idosos não morem com a família, apesar de manterem bom contato e morarem próximos. Mariana constatou que esta individualidade em certos casos gera solidão.
Idosos que não podem mais morar sozinhos são financiados basicamente pelo seguro de atendimento na velhice, pago na Alemanha pelas pessoas economicamente ativas. Se no Brasil os moradores de asilos são basicamente pessoas de baixa renda – já que casas de repouso para pessoas de posses são raras –, Mariana constata que na Alemanha os asilos abrigam pessoas de todas as classes sociais.
Dicas para a terceira e quarta idades
O aumento da expectativa de vida levou os peritos a definir uma nova fase na vida a partir dos 80 anos: a quarta idade. "É uma classificação aparentemente muito teórica, mas ela tem uma finalidade prática, pois diferencia o tratamento dado aos idosos. Para muitos, a terceira idade, mais ou menos dos 65 aos 80 anos, é uma fase da vida muito agradável, sem obrigações profissionais ou familiares", conta.
Já a partir dos 80 anos, muitos são confrontados com aspectos da velhice nem sempre agradáveis, como doenças crônicas ou menos mobilidade. São problemas desagradáveis e que não correspondem aos ideais de dinamismo e independência que se vê nas propagandas.
"Esta fase faz parte do processo da nossa vida, por isso temos de aprender a lidar com ela. Quem não tem a vida interrompida por morte súbita, invariavelmente vai chegar a este período, em que necessita de cuidados de outras pessoas."
As dicas de Mariana para enfrentar melhor a velhice são: manter-se ativo, cultivar interesses e aprender a aproveitar o tempo livre. Já na idade bem avançada, é preciso, segundo ela, planejar a rotina diária segundo as limitações físicas, o que geralmente implica a dependência de terceiros e questões de organização. São preocupações, aliás, presentes e em parte bem solucionadas na sociedade alemã.
Encerrando paralelos da velhice no Brasil e na Alemanha, Mariana lembra que no Brasil os idosos geralmente dispõem de uma rede bem maior de laços afetivos. Já na Alemanha os idosos têm assistência assegurada pelo seguro de atendimento na velhice. Uma garantia que, como conclui Mariana, também pode levar as famílias a se eximirem da responsabilidade de cuidar de alguém da família.