Lula e o país do futuro
30 de outubro de 2002De engraxate a chefe de Estado. Um "operário sem formação acadêmica" eleito presidente do "5º maior país do mundo": a origem social de Lula inspira grande respeito à opinião pública alemã. Ao traçar o perfil do "líder socialista", a imprensa alemã destacou sobretudo a ascenção social deste "presidente de família humilde", sua trajetória de lutas sindicais e a postura política cada vez menos radical que levou Lula a conquistar a confiança do eleitorado brasileiro. Os principais jornais alemães reconheceram o alarmismo exagerado do período pré-eleitoral e constataram a calma reação do mercado financeiro ao resultado das urnas, descartando a possibilidade de o Brasil ser isolado política ou economicamente através do novo governo.
Derrota neoliberal
– "Com a primeira eleição democrática de um presidente de esquerda, os brasileiros expressaram sua decepção com a política econômica neoliberal, que trouxe poucos avanços sociais para a América Latina", comenta o Frankfurter Allgemeine Zeitung. O Berliner Zeitung também diagnostica isso, acrescentando que a eleição de Lula marca "o fim do triunfo neoliberal nos países em desenvolvimento". Após duas décadas negras de ditadura militar e a ineficácia das reformas neoliberais – constata o Frankfurter Rundschau – o Brasil optou pelo novo. Caso o "experimento brasileiro" dê certo certo, isso terá um efeito enorme sobre toda a América Latina, acrescenta o jornal, confirmando a previsão bastante difundida de que Lula – ao lado do venezuelano Hugo Chávez – poderá desencadear uma virada política histórica na América Latina.Banana para Bush
– "Com muito mais garra que seu antecessor FHC, Lula vai tentar fazer do Brasil um contraponto de resistência às intenções hegemônicas de Washington" – destaca o Tageszeitung. O diário berlinense considera provável que Lula consiga isso com o apoio do empresariado brasileiro, obrigando os EUA a abolir suas barreiras comerciais como condição para a entrada de empresas norte-americanas no Brasil. A imprensa marrom reiterou esta hipótese, apontando que os EUA foram os únicos a reagirem à eleição de Lula com "ranger de dentes".A herança de FHC
– Parte da imprensa alemã interpretou a vitória de Lula como voto de protesto, listando as falhas do governo FHC. Para o Frankfurter Allegemeine Zeitung, Lula vai precisar de um "grande capital de idéias e fantasia", algo que teria faltado ao seu antecessor FHC, que "preferiu ficar flutuando em esferas professorais". O Süddeutsche Zeitung afirma que a herança de FHC é uma taxa de desemprego duplicada, salários cada vez mais baixos, violência fora de controle e um dos maiores índices de assassinato do mundo. No entanto, a governabilidade do Brasil continuaria dependendo do apoio da aliança com os social-democratas, considerando que o governo não detém a maioria no Congresso, lembra o diário bávaro.Vacas magras
– "As expectativas em relação do governo Lula são altas, mas sua margem de ação é bastante apertada, tanto política como financeiramente", constata o Frankfurter Rundschau, formulando a tônica de toda a imprensa alemã. Recessão mundial, dívida externa catastrófica, abismo entre ricos e pobres, alta taxa de desemprego, questão agrária, criminalidade...: estes são apenas alguns dos fatores que levam os comentaristas da imprensa a prever que Lula necessariamente desiludirá os eleitores que contam com mudanças visíveis. Sobretudo o compromisso com o FMI – que limita o déficit orçamentário – é considerado a principal amarra do novo governo. A situação "incapacita o Estado de elevar as despesas sociais, liberar subvenções à Indústria ou oferecer empréstimos razoáveis a empresas", constata o Tagesspiegel. Além disso, só economizando radicalmente é que o governo brasileiro reconquistará a confiança do mercado financeiro, acrescenta o diário berlinense.Alemanha confia
– O diário conservador Die Welt noticiou que a economia alemã reagiu com tranquilidade à vitória eleitoral do "socialista Lula", confiando nas chances de maior aproximação com a Europa. "Caso o clima econômico tivesse piorado dramaticamente após as eleições, a indústria alemã teria sido gravemente afetada. Quase 6% do PIB brasileiro é gerado por empresas alemãs", diz o Die Welt. De acordo com uma pesquisa da Câmara de Comércio Teuto-Alemã, divulgada pelo jornal, os empresários alemães planejam investir cinco bilhões de dólares no Brasil, nos próximos cinco anos.