"Lula radicaliza divisão da sociedade", diz Ciro Gomes
15 de maio de 2017Em entrevista à DW Brasil, o ex-governador do Ceará, ex-ministro e pré-candidato à Presidência nas eleições de 2018 Ciro Gomes afirmou que sua candidatura depende exclusivamente do PDT e descartou ser vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro da Integração Nacional entre 2003 e 2006.
Em Londres para a conferência Brazil Forum, o pré-candidato lembrou, porém, que "não gostaria de estar num cenário com o Lula candidato". Segundo ele, o ex-presidente "radicaliza uma divisão entre brasileiros", dificultando um debate sobre o futuro do país.
O ex-ministro reconheceu a necessidade de reformas no país, porém, classificou de "desastre" as propostas do governo Michel Temer: "Isso é tachterismo mofado, que não foi experimentado em nenhum país do mundo", disse à DW, no domingo (14/05).
Sem citar diretamente o juiz Sérgio Moro, o político também apontou imparcialidades na Operação Lava Jato, que, segundo ele, podem colocar em risco toda investigação.
DW Brasil: Recentemente, o senhor disse que não gostaria de ser candidato se Lula também fosse. Na semana passada, o ex-presidente anunciou que será candidato. Quais são seus planos e do seu partido?
Ciro Gomes: Eu serei candidato ou deixarei de ser numa única e exclusiva circunstância: o meu partido [PDT] decidir que eu sou. Isso dito, eu sigo dizendo que não gostaria de estar num cenário com o Lula candidato.
DW: Por quê?
CG: O Lula, do jeito que as coisas estão no Brasil, passionaliza imediatamente o ambiente, radicaliza uma divisão entre brasileiros simpatizantes do Lula e brasileiros que o odeiam. Dessa maneira, o país não terá a oportunidade de discutir o seu futuro, a complexidade dos seus problemas, a estratégia de superação desta crise monstruosa pela qual estamos passando.
Essa é a razão pela qual eu não gostaria de ser candidato. Gostaria de ser candidato num ambiente em que pudéssemos pautar o debate em relação à compreensão dos problemas brasileiros e às soluções que cada um é capaz de propor.
DW: O senhor acredita que Lula tem chances de se tornar candidato mesmo sendo réu em vários processos da Lava Jato?
CG: Pela legislação brasileira, ele só não poderá ser candidato se tiver uma condenação em segunda instância transitada e julgada.
DW: Aceitaria ser vice do Lula?
CG: Não.
DW: O senhor costuma dizer que o Lula falhou em mudar as estruturas do país. Como fazer essas mudanças sem apoio do Congresso? Ou como obter apoio do Congresso sem sucumbir ao fisiologismo?
CG: Propor, mediar, chamar o povo, não querer ser dono da verdade. Chamar especialistas e mediações confiáveis pelo povo e, no limite final, comandar essas reformas pela própria deliberação popular com plebiscitos e referendos, como o mundo inteiro amadurecido civilizadamente faz.
DW: Mas isso é realmente possível?
CG: Absolutamente, está escrito na Constituição brasileira. O Itamar Franco encerrou 40 anos de imposto inflacionário e especulação que fez fortunas de muitos poderosos no Brasil sem maioria orgânica no Congresso, apenas porque entrou em linha com o interesse popular e perseguiu o interesse popular intransigentemente.
DW: O que o senhor pensa sobre as reformas trabalhista e previdenciária promovidas pelo governo de Michel Temer?
CG: São um desastre, que não reforma coisa nenhuma. Uma pretende transformar o trabalho em commodity, violentando completamente a tendência internacional. Numa commodity sujeita à lei da oferta e da procura, e violenta até a lei de salubridade de uma grávida, isso é o fim da picada.
Isso é tachterismo mofado, que não foi experimentado em nenhum país do mundo. O que não quer dizer que não haja necessidade de ampliarmos um grande debate sobre as novas formas de trabalho, sobre as inovações no mercado de trabalho. A legislação brasileira está atrasada.
DW: E a reforma da Previdência?
CG: Na Previdência, o tiro é no lugar errado. Há um sistema em que 2% dos beneficiários levam 40% dos benefícios. Nenhuma providência do Temer e sua quadrilha olham para isso. Temer tem três aposentadorias aos 50 e poucos anos, e toda a quadrilha que o cerca se aposentou precocemente. Então, isso é uma estupidez, o que não quer dizer que não haja a necessidade de um debate generoso, lúcido e inteligente sobre o futuro do equilibro da Previdência.
DW: Qual seria a sua proposta?
CG: Um novo modelo de capitalização. Um regime novo, público, administrado por coletivos meritocráticos de carreira, premiados e punidos conforme êxito ou fracasso nas escolhas das associações de investimento.
DW: Como o senhor avalia a Operação Lava Jato?
CG: A Operação Lava Jato tem ainda o potencial de mudar uma história centenária, em que a impunidade é o prêmio para a corrupção dos grandes. Mas esse potencial já está muito enfraquecido, porque quando a magistratura, não estou falando de fulano ou beltrano, sai do devido processo legal das garantias e franquias que universalmente são escritas nas constituições civilizadas do mundo moderno – a presunção de inocência, ampla defesa e o contraditório e a seriedade da pena pelo apurado dos altos e não pela contrapressão ou pressão de mídia – ela simplesmente está produzindo nulidades no futuro.
A Satiagraha [que investigou um esquema desvios de verbas públicas e corrupção envolvendo banqueiros], por exemplo, tinha um juiz valentão, um delegado de polícia valentão, um procurador valentão e tudo foi anulado.
DW: O senhor acha que o Judiciário tem se mantido imparcial?
Não mesmo. Sou professor de Direito, o princípio é a liberdade, então, as prisões provisórias estão erradas. Constranger uma pessoa com uma prisão provisória para fazer delação premiada numa direção que interessa a investigação, está errado, o papel das instituições é investigar, produzir provas e ter concretudes, e não constranger as pessoas.
DW: O senhor acha que existe uma inclinação partidária na Lava Jato?
CG: Não creio que seja isso o problema, a questão básica é aplauso e juventude. É muito difícil para o ser humano não sair do equilíbrio, com tanto aplauso, solenidade, homenagem. É difícil para um jovem juiz, porque a pessoa é humana, mas nós que estamos fora precisamos que ele seja severo. Acho que um dos mais interessados no Brasil que a Lava Jato tenha êxito sou eu.
DW: Por quê?
CG: Por mil razões, porque não sou citado em lista nenhuma, e se essas listas forem de fato apuradas e os caras forem culpados, eu fico praticamente sozinho na área. Mas isso não me permite violentar minha consciência jurídica, minha formação humanista, minha crença no direito, no Estado de direito democrático, que é uma coisa preciosa que nós não tínhamos e estamos voltando a não ter no Brasil.
DW: Em entrevistas, o senhor disse que a corrupção não é o principal problema do país...
CG: A corrupção é um grave problema, mas as coisas não são assim preto no branco. Se fizermos o povo acreditar que o grande problema do Brasil é a corrupção, estamos tirando a inteligência brasileira do foco na complexidade dos nossos problemas.
DW: Mas qual é o principal problema?
CG: São 14,3 milhões de desempregados, caminhando inevitavelmente para 15 milhões de desempregados, 9 milhões de pessoas empurradas para a informalidade, uma deterioração generalizada da infraestrutura, as contas públicas em pandarecos, sinalizando uma eminência de colapso na contabilidade pública, na liquidez do crédito público e, portanto, de um processo inflacionário real e verdadeiro, não esse artificial provocado por mudança de câmbio e tarifa de governo.