Declaração de Viena
21 de julho de 2010O Centro de Medicina Social e Aconselhamento de Ganslwirt, em Viena, é também um ponto de troca de seringas para usuários de drogas injetáveis. Stefan, de 20 anos, frequenta o local: ele deixa as agulhas usadas e recebe novas.
"É muito importante para mim ter essa possibilidade de trocar as seringas aqui. Caso contrário, eu teria que pedir aos meus amigos para usar as deles, o que seria perigoso", declara Stefan.
A troca de seringas e tratamentos como a terapia de substituição de opióides fazem parte da estratégia conhecida como redução de danos. Nas últimas décadas, essas táticas se tornaram centrais em muitos governos, que visam combater a transmissão do HIV através do uso de drogas intravenosas.
Mas, em outras regiões fora do Ocidente, o quadro é diferente. "Nesse momento, quase um terço de todas as infecções de HIV fora da região subsaariana africana está associada com o compartilhamento dos equipamentos usados para injetar drogas. E isso leva à transmissão sexual dos usuários de drogas para a população geral", afirma o professor de Epidemiologia Don Des Jarlais, diretor do Instituto de Dependência Química Baron Edmond de Rothschild, em Nova York.
Declaração de Viena
Des Jarlais participou do comitê que redigiu a Declaração de Viena, apresentada na conferência global sobre HIV/aids na capital austríaca. O documento tem duas páginas e foi escrito juntamente com outros 30 cientistas renomados e especialistas no assunto de todo o mundo.
A principal exigência da declaração é que os governos promovam uma reforma na maneira como lidam com o tema: que façam a transição de uma política que considera o usuário de drogas como um criminoso para uma política que o veja como paciente.
Para Des Jalais e seus colegas, essa mudança ajudaria os países ocidentais a obter uma maior estabilização dos índices de infecção de HIV, além de auxiliar os países do leste europeu, Rússia e Ásia Central a frear a crescente epidemia da doença entre os usuários de drogas.
Na Rússia, estima-se em 1,6 milhão de usuários de drogas intravenosas, segundo dados das Nações Unidas – 37% deles podem ser soropositivos. Eles correspondem a 80% dos casos de HIV na Rússia, e esse quadro se repete no leste europeu e Ásia Central.
Os responsáveis pela Declaração de Viena e outros especialistas atribuem essas estatísticas ao que chamam de leis draconianas que lidam com a temática e vigoram na região.
"As pessoas têm medo de usar os serviços de saúde. Elas têm medo de ir ao hospital porque não querem correr o risco de serem presas pela polícia, ou de sofrerem abusos policiais", avalia Anya Sarang, presidente da Fundação Andrey Ryklov para Saúde e Justiça Social. "Nesse clima de medo, terror e risco, será impossível alcançar um nível muito alto de atividades no tratamento do HIV ou de programas de prevenção."
Drogas e prisões
Nos Estados Unidos, o governo anunciou na semana passada uma nova estratégia na luta contra o HIV, com o objetivo de reduzir as infecções em 25% nos próximos cinco anos. Para Ethan Nadelmann, diretor executivo do grupo pró-reforma Drugs Policy Alliance, a atitude trará dinheiro federal para serviços de redução de danos já existentes no país e que são custeados por governos estaduais.
Apesar de a nova estratégia ser avaliada positivamente, ela ainda é amena diante do alto índice de prisões de usuários de drogas, completa Nadelmann. Ele diz que, nos Estados Unidos, a guerra contra as drogas confronta-se diretamente com a guerra contra a aids.
"Os Estados Unidos concentram menos do que 5% da população mundial, mas quase 25% da população carcerária. Nós passamos de 50 mil pessoas atrás das grades por crime relacionado às drogas em 1980, a meio milhão nos dias atuais, quase dez vezes mais", comenta Nadelmann.
O número de pessoas presas por violarem as leis antidrogas nos Estados Unidos é maior do que todas as prisões feitas nos países do leste europeu – e essa região tem 100 milhões de residentes a mais que os Estados Unidos, compara Nadelmann.
Troca de experiências
Apesar de os países no leste da Europa estarem relativamente mais avançados do que os Estados Unidos no tangente à legislação, que passou a se orientar mais na saúde pública, a região carece de reformas na área de redução de danos.
Algumas técnicas e tratamentos, como injeção supervisionada e provisão de heroína e morfina farmacêuticas na terapia para viciados em drogas, são métodos bem-sucedidos para acabar com a dependência e limitar a infecção de HIV. Países como a Suíça e o Canadá empregam essas medidas e têm bons resultados, mas as opções são vistas como inviáveis em outras localidades por razões frequentemente ligadas à ideologia.
Por enquanto, apesar de ainda haver possibilidade de melhorias, Europa Ocidental, Canadá e Austrália oferecem aos Estados Unidos e, Rússia, leste europeu e Ásia Central exemplos bem-sucedidos de políticas alternativas à criminalização severa.
O dependente químico Stefan se considera sortudo por viver na Áustria. Ele é viciado em heroína há quase três anos e diz que uma recuperação seria impossível – e perigosa – se não pudesse contar com locais que fazem a troca de seringas.
"Eu não quero morrer disso. Meu irmão morreu por causa das drogas e eu fui estúpido o bastante para começar o uso. Eu quero parar, e um lugar como esse pode me ajudar muito a sair desse caminho. Deveria haver centros iguais no mundo todo", finaliza Stefan.
Autor: Don Ducan (np)
Revisão: Roselaine Wandscheer