A expectativa era enorme. Hansi Flick, o vitorioso técnico com o Bayern de Munique, finalmente iria estrear como comandante da seleção alemã – e isso, logo de cara, numa partida oficial válida pelas eliminatórias europeias da Copa do Catar no ano que vem. O adversário Liechtenstein, um anão do ponto de vista futebolístico, não deveria causar maiores problemas, porque afinal se tratava de um time formado majoritariamente por amadores. O nº 189 (!) no ranking da Fifa tem apenas quatro jogadores profissionais em seu elenco.
Quem ligou a TV no meio do jogo pode ter tido a impressão de ver de novo uma pífia apresentação daquela infeliz Alemanha dos últimos tempos de Joachim Löw. A vitória acabou caindo no colo de Kimmich e cia. por obra e mérito de ações individuais.
Revela muito sobre o que foi essa partida o fato de que, após 40 minutos de jogo, justamente Jamal Musiala, um jovem de 18 anos com sua despreocupação juvenil característica, tenha dado início à jogada que redundou no primeiro gol. Driblou três adversários e serviu com perfeição seu colega Timo Werner, que completou inapelável para o gol.
Flick ainda tem trabalho pela frente
O gol que decretaria o placar final de 2x0 também resultou de uma ação individual. Justamente Leroy Sané, em baixa no Bayern de Munique, criou coragem, partiu para o drible e fuzilou. Um tipo de ação que pouco se viu nessa partida. Jogadores inseguros, sem autoconfiança, dispersivos e uma equipe visivelmente desentrosada demonstraram à exaustão quanto trabalho Hansi Flick terá pela frente para colocar a Alemanha nos trilhos.
O técnico, ao assumir o cargo oficialmente em 1º de agosto, disse o que esperava da sua equipe: "Para um bom começo, é necessário entusiasmo, para um final feliz, é preciso disciplina."
Foi o que faltou contra o Liechtenstein e o que sobrou contra a Armênia alguns dias mais tarde. Já pela escalação com seis alterações, dava para perceber o que estava por vir: jogo em alta velocidade no ataque com Sané e Gnabry pelos flancos, além de Werner mais pelo centro. No meio-campo, Goretzka, como motor e dínamo, ditava o ritmo. Nas laterais, Hoffmann e Kehrer marchavam incansavelmente no apoio ao ataque, sem descuidar de suas tarefas defensivas.
O time inteiro estava em permanente movimentação, abrindo a defesa adversária, seja pela ocupação de espaços vazios para receber passes precisos, seja por lançamentos em profundidade em direção aos atacantes que se infiltravam nas costas das linhas defensivas dos adversários.
"Demos passo importante"
Antes do jogo, Flick sentenciava: "No frigir dos ovos, trata-se de precisão no passe e na finalização." Dito e feito. Bem humorado depois do 6x0, o treinador ainda teve tempo para resenhar: "Gostei do que vi. Foi dado um passo importante. Temos muita qualidade individual, mas a produtividade é importante. É preciso entregar quando for necessário. É o que vimos hoje. Podemos nos dar por satisfeitos pelo que apresentamos."
Leon Goretzka, nota 10 pelo portal Kicker, acrescentou: "Implementamos o que foi planejado. Contra a Islândia, vamos tentar repetir o que conseguimos hoje."
A Islândia, lembrada por muitos pelo seu surpreendente desempenho na Eurocopa de 2016, quando conseguiu chegar às quartas de final depois de eliminar a Inglaterra, além de se classificar para a Copa de 2018, desde então não conseguiu manter o seu bom nível. Ocupa o 53º lugar no ranking da Fifa. Teoricamente deveria ser o adversário mais difícil para os alemães.
Sem repetir o seu desempenho diante da Armênia por conta das inúmeras chances claras de gol desperdiçadas, especialmente na segunda etapa, os comandados de Flick não apenas deram conta do recado, mas mais uma vez devem ter deixado o técnico satisfeito. A goleada por 4x0 em Reykjavik garantiu o primeiro lugar no Grupo G das eliminatórias europeias, com folgados quatro pontos à frente da Armênia e cinco a mais do que a Romênia, o próximo adversário da Alemanha.
Os dois destaques da Mannschaft
Há dois ganhadores claros depois desses primeiros três jogos oficiais da Mannschaft sob o comando de Flick. O primeiro é o próprio técnico que, depois do medíocre resultado diante de Liechtenstein, já conseguiu deixar a sua marca na forma de jogar do time nas partidas contra Armênia e Islândia. Ele reconhece que ainda há muito o que fazer, mas desde já é importante frisar a sua capacidade de explorar ao máximo o potencial de cada jogador à sua disposição.
O caso mais visível dessa sua capacidade atende pelo nome de Leroy Sané, eleito por boa parte da mídia esportiva alemã como o grande ganhador dessa minicampanha vitoriosa da Alemanha. Isto é surpreendente porque, no Bayern de Munique, Sané está na berlinda por causa de suas temerárias apresentações nos jogos da Bundesliga.
Com a seleção, entretanto, Sané renasceu. Dribles secos, finalizações precisas, ocupação de espaços vazios e exaustivo trabalho defensivo, além de dois gols e uma assistência, foram as marcas que ele deixou.
Hansi Flick certamente se lembrará disso em futuras convocações, mesmo porque nesta sua estreia na seleção as luzes prevaleceram sobre as sombras, e Sané fez sua parte.
__
Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.