Maduro impede entrada de ajuda na Venezuela
23 de fevereiro de 2019O governo de Nicolás Maduro reprimiu duramente neste sábado (23/02) a tentativa da oposição de ingressar na Venezuela com carregamentos de ajuda humanitária a partir da Colômbia e do Brasil. Houve confrontos entre manifestantes antichavistas e forças do regime, que reforçaram bloqueios montados na fronteira. Caminhões foram incendiados na divisa com a Colômbia.
Relatos da oposição apontam que ao menos duas pessoas morreram durante confrontos com paramilitares chavistas na cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén, perto da divisa com o Brasil. Já o jornal El País, citando a ONG Foro Penal e um deputado venezuelano, fala em quatro mortes em Santa Elena neste sábado.
Ao menos 13 feridos foram levados para hospitais no Brasil – vários deles com ferimentos a bala. Na sexta-feira, dois manifestantes indígenas já haviam sido mortos por forças do regime na vila de Kumarakapay, na Venezuela, um pouco mais distante da fronteira.
Na divisa entre Brasil e Venezuela, militares venezuelanos chegaram a lançar gás lacrimogêneo em manifestantes opositores que estavam no lado brasileiro, após conflitos irromperem quando dois veículos com ajuda humanitária foram impedidos de prosseguir. Alguns manifestantes atiraram coquetéis molotov contra um posto da Guarda Nacional Bolivariana.
O dia de tensão também foi marcado por deserções de mais de 60 militares venezuelanos que fugiram para a Colômbia. Vários deles declararam apoio a Guaidó. Maduro ainda anunciou o rompimento de todas as relações com Bogotá e ordenou a retirada dos funcionários diplomáticos colombianos do país.
Neste sábado, a oposição liderada por Juan Guaidó com o apoio do Brasil, da Colômbia e de outros países da região pretendia reforçar a pressão sobre o regime de Maduro com o envio de ajuda humanitária para a Venezuela, que passa por uma grave crise econômica e social. Maduro rechaçou o plano e ordenou o fechamento das fronteiras do seu país com a Colômbia e o Brasil, além de reforçar os bloqueios com a presença de militares.
Choques na fronteira colombiana
Os primeiros choques do dia ocorreram em Ureña, na Venezuela, onde fica uma das duas pontes que conectam o país à Colômbia. Tropas do regime dispararam gás lacrimogêneo e balas de borracha contra manifestantes.
No dia anterior, Guaidó havia atravessado a fronteira para o lado colombiano, desafiando uma ordem do Judiciário chavista que o proibiu de deixar o país. Na cidade fronteiriça de Cúcuta, Guaidó discursou ao lado do presidente colombiano, Iván Duque, e fez um apelo para que Maduro permitisse a entrada de ajuda.
"Estamos recolhendo toneladas de ajuda humanitária, em uma ação que busca salvar vidas. É um chamado pacífico, mas firme", disse Guaidó, que foi reconhecido como presidente da Venezuela por 50 países, entre eles Estados Unidos e Brasil. Após o discurso, ele começou a organizar o envio de uma dezena de caminhões para a Venezuela pelas duas pontes que ligam os países.
Os veículos, no entanto, se depararam com uma forte presença de militares do regime chavista. Os manifestantes tentaram organizar um cordão humano em volta dos caminhões para forçar a passagem, sem sucesso. Na ponte Santander, que liga Cúcuta a Ureña, pelo menos dois veículos foram incendiados. Manifestantes conseguiram salvar parte da carga. A oposição culpou membros de grupos paramilitares chavistas pelos incêndios.
Já na ponte Simón Bolívar, na mesma área, houve uma série de confrontos. No início da noite, os choques ainda prosseguiam, com manifestantes atirando pedras e coquetéis molotov nos militares venezuelanos a partir do lado colombiano. Segundo o último balanço, o confronto deixou 285 feridos, sendo 255 venezuelanos e 30 colombianos.
Após os veículos terem sido incendiados, os caminhões restantes voltaram para o lado colombiano. O governo em Bogotá informou mais tarde que a ajuda humanitária que os veículos transportavam foi levada de volta a um depósito em Tienditas.
Bloqueio da ajuda brasileira
Paralelamente, duas caminhonetes com auxílio organizado pelo governo brasileiro partiram para Pacaraima, em Roraima, com o objetivo de entrar na Venezuela pela fronteira sul do país. Mas tanto a iniciativa a partir da Colômbia quanto a do Brasil foram bloqueadas pelas tropas chavistas.
Em um primeiro momento, membros da oposição anunciaram que uma das caminhonetes em Roraima havia sido bem-sucedida em atravessar a divisa. A informação, no entanto, omitia que o veículo havia apenas atravessado a linha demarcatória, mas não havia superado o bloqueio militar mais à frente.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, se dirigiu a Pacaraima e disse acreditar que os venezuelanos permitiriam a entrada dos veículos.
Em nota, o Planalto reiterou que dois caminhões com ajuda cruzaram a fronteira com a Venezuela, "adentrando o país vizinho sem incidentes na travessia". O governo ainda classificou a operação de exitosa e anunciou uma segunda fase de envio de suprimentos, sem mencionar, contudo, que os veículos foram bloqueados pelos militares venezuelanos e tiveram de retornar ao Brasil.
Questionada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a assessoria de imprensa do Planalto afirmou que houve êxito porque os caminhões passaram a linha da fronteira, e este é o início da operação brasileira.
Quando as caminhonetes retornaram a Pacaraima, dezenas de venezuelanos que moram no lado brasileiro ficaram revoltados e passaram a atirar pedras e coquetéis molotov contra os militares venezuelanos.
Em nota na madrugada deste domingo, o governo brasileiro condenou os "atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro" nas fronteiras.
"O uso da força contra o povo venezuelano, que anseia por receber a ajuda humanitária internacional, caracteriza, de forma definitiva, o caráter criminoso do regime Maduro. Trata-se de um brutal atentado aos direitos humanos, que nenhum princípio do direito internacional remotamente justifica e diante do qual nenhuma nação pode calar-se", diz a nota.
"Atitude miserável"
Após o fracasso das tentativas de furar os bloqueios, Guaidó acusou Maduro de crime de lesa humanidade. "Seguimos recebendo o respaldo da comunidade internacional, que pode ver, com seus próprios olhos, como o regime usurpador viola a Convenção de Genebra, que diz claramente que destruir ajuda humanitária é um crime de lesa humanidade", escreveu o oposicionista no Twitter.
O presidente do Chile, Sebastián Piñera, que também esteve em Cúcuta com Duque e Guaidó, reconheceu que a maior parte da ajuda não conseguiu atravessar a fronteira. "Nada pode ser mais miserável que a atitude da ditadura venezuelana de impedir parcialmente e com uso da força o ingresso de ajuda humanitária que seu próprio povo tanto precisa", escreveu o chileno no Twitter.
Uma embarcação carregada de ajuda humanitária que havia partido de Porto Rico na quarta-feira também foi impedida de chegar à Venezuela. Segundo o governador da ilha caribenha, Ricardo Rosselló, o navio recebeu "ameaça direta de fogo de navios venezuelanos".
"Essa ameaça representa uma grave violação contra uma missão humanitária integrada por cidadãos americanos. É inaceitável e ultrajante", afirmou Rosselló em comunicado neste sábado, acrescentando que, diante da ameaça, o navio teve que abandonar a área.
Maduro em Caracas
Enquanto os confrontos eclodiam na fronteira com o Brasil e a Colômbia, Maduro resolveu encenar uma demonstração de força na capital, Caracas. Milhares de pessoas foram convocadas para acompanhar um discurso do líder chavista, que aproveitou a ocasião para lançar mais acusações contra os Estados Unidos e anunciar o rompimento de todas as relações com a Colômbia.
Maduro afirmou ainda que seu país poderia aceitar ajuda humanitária da União Europeia, desde que ela seja "legal", sugerindo que a distribuição deve ser controlada pelo regime. Também disse que está disposto a comprar alimentos do Brasil.
O governo em Caracas insiste em negar a existência de uma crise humanitária nacional. A afirmação contradiz os dados mais recentes das Nações Unidas, situando em 3,4 milhões o atual número de refugiados e migrantes da Venezuela em todo o mundo.
Maduro alega que a entrada de ajuda humanitária seria um pretexto para os Estados Unidos promoverem um golpe de Estado no país. Ele também culpa as sanções econômicas impostas por Washington pela hiperinflação e pela severa escassez de alimentos e remédios na Venezuela.
"Todas as cartas sobre a mesa"
Na próxima segunda-feira, representantes dos países que formam o Grupo de Lima têm uma reunião marcada em Bogotá para discutir possíveis ações diplomáticas contra Maduro. Também estarão presentes o líder oposicionista Guaidó e o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence.
Em discurso na noite deste sábado, ao se referir às opções para resolver a crise na Venezuela, Guaidó pediu aos líderes estrangeiros que "mantenham todas as cartas sobre a mesa".
A frase lembrou uma declaração feita recentemente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em que afirmou que "todas as opções estão sobre a mesa", incluindo uma possível ação militar para forçar a queda de Maduro.
JPS/EK/abr/ots
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