Maracanã verá novo capítulo da rivalidade histórica entre Alemanha e França
3 de julho de 2014São 83 anos de rivalidade, 25 partidas e inúmeras histórias. Assim pode-se resumir o histórico do duelo entre Alemanha e França, duas das principais seleções do futebol europeu e que decidem uma das vagas para a semifinal da Copa do Mundo de 2014, nesta sexta-feira (04/07), no estádio do Maracanã.
Desde o primeiro confronto, em 15 de março de 1931, até o amistoso realizado no Stade de France no ano passado, as duas potências do futebol europeu curiosamente nunca se enfrentaram pelo torneio do continente, a Eurocopa. Outro fato interessante é que, nos duelos entre os países vizinhos, a equipe anfitriã não sai vencedora desde 2003: foram quatro amistosos, com um empate e três vitórias da seleção visitante.
Se, no retrospecto geral, a Équipe Tricolore é superior – são 11 vitórias, 8 derrotas e 6 empates, com 42 gols marcados e 41 sofridos –, a Alemanha leva uma pequena vantagem em Mundiais. Foram três confrontos até agora, sendo o mais emblemático a semifinal da Copa da Espanha, em 1982 – uma das partidas mais memoráveis da história das Copas: "O Suspense de Sevilha". Naquele 8 de julho, no estádio Ramón Sánchez Pizjuán, teve de tudo. Gol de Michel Platini, gol de bicicleta na prorrogação, disputa por pênaltis e um dos maiores crimes esportivos que o mundo do futebol presenciou.
A voadora de Schumacher em Battiston
A seleção da França, capitaneada pelo atual presidente da Uefa, era um equipe bastante técnica, que tinha com Alain Giresse e Jean Tigana um dos melhores meio-campos dos anos 80 – em 1984 seriam campeões da Eurocopa e, em 1986, eliminariam o Brasil do Mundial do México. Mas o jogo leve dos franceses sofreu com o jogo bruto, de pura força física, dos alemães. Aos 17 minutos, Pierre Littbarski abriu o marcador para a Nationalelf, mas Platini empatou, de pênalti, ainda no primeiro tempo.
Mas foi logo no início do segundo tempo que público presente prendeu e que Patrick Battiston perdeu a respiração. O meia, que havia entrado momentos antes, recebeu um lançamento em profundidade de Platini e teve uma chance perfeita para virar a partida. Foi então que o goleiro alemão Toni Schumacher, num ato de total destempero, voou em cima do atleta francês e o nocauteou com o quadril.
O choque de Schumacher na cabeça do rival foi tão forte que Battiston caiu desacordado, sofreu uma concussão, lesionou a coluna vertebral e perdeu três dentes. Os paramédicos tiveram que administrar oxigênio ainda no campo, e Battiston chegou a entrar em coma no hospital, horas depois. Platini chegou a dizer que achara que Battiston teria morrido, porque "ele estava sem pulso e pálido".
Remorsos políticos são reaflorados
O lance, que entrou para a história das Copas, ganhou mais notoriedade por dois outros detalhes: o erro do árbitro holandês Charles Cover, que deu tiro de meta, em vez de pênalti seguido da expulsão de Schumacher, e a declaração estapafúrdia do goleiro alemão após a partida: "Se foram só os dentes, eu pago as coroas".
Nos dias seguintes, a imprensa francesa publicou manchetes do calibre de "Atentado a Battiston", "Toni Schumacher, profissão: desumano" e caíram as palavras "Gestapo", "Schumacher SS" – alusão à organização paramilitar ligada ao partido de Adolf Hitler – e "Tanque nazista".
A crise tomou tais proporções que os então líderes dos dois países, François Mitterrand e Helmut Schmidt, se viram na obrigação de emitir uma declaração de imprensa conjunta, pois o lance havia trazido de volta o ressentimento antigermânico que acreditava-se já superado.
Dias depois, os dois jogadores compareceram a uma coletiva de imprensa para uma reaproximação encenada, mas que de fato nunca se concretizou. No ano passado, quando França e Alemanha comemoraram os 50 anos do Tratado de Versalhes, o Ministério do Exterior da Alemanha propôs à Federação Francesa de Futebol um encontro entre Schumacher e Battiston no amistoso entre as duas seleções, em Paris. Dois representantes da federação francesa ficaram tão indignados que se levantaram da mesa, e os ânimos só foram acalmados quando o lado alemão foi demovido da ideia.
E o jogo em Sevilha? Terminou empatado em 1 a 1, nos 90 minutos. Na prorrogação, a França ampliou para 3 a 1, com Marius Tresor e Alain Giresse, mas Karl-Heinz Rummenige e Klaus Fischer, de bicicleta, no segundo tempo da prorrogação, levaram a decisão para a disputa por pênaltis: nela, deu Alemanha por 5 a 4.
O artilheiro de todos os artilheiros
Quatro anos depois, novamente na semifinal, a maioria dos jogadores que estiveram em Sevilha se reencontraram em Guadalajara, no México. Este, que até esta sexta-feira era o último duelo em Mundiais entre os vizinhos europeus, foi vencido com tranquilidade e sem polêmicas pela Alemanha, com gols de Andreas Brehme e Rudi Völler.
Se os alemães ganharam o último duelo em Mundiais, a França saiu vencedora no primeiro. Depois de perderem nas semifinais para Brasil e Suécia, respectivamente, França e Alemanha decidiram o terceiro lugar da Copa do Mundo de 1958. A goleada dos Bleus, por 6 a 3, entrou para a história por dois aspectos: é, até hoje (junto com o 3 a 0 francês, em 2003), o placar mais elástico entre as duas seleções, e com os quatro gols nesta partida, Just Fontaine contabilizou 13 no torneio e é até hoje o maior artilheiro de uma única edição de Copa do Mundo.
Histórias que ficaram no passado, mas que servem para apimentar o confronto destas quartas de final, no Rio de Janeiro. Mais para os torcedores, já que, na época do episódio "Schumacher – Battiston", apenas quatro atletas presentes no jogo desta sexta-feira (04/07) já haviam nascido: o goleiro Roman Weidenfeller (06.08.1980) e o atacante Miroslav Klose (09.06.1978) do lado alemão, além do goleiro Mickaël Landreau (14.05.1979) e do lateral-esquerdo Patrice Evra (15.05.1981) pelo lado francês.